quarta-feira, 14 de julho de 2010

Estados Unidos se rendem ao futebol

Newton Carlos*


Os americanos se rendem à força do futebol. Ou à do “soccer”, no vocabulário deles. Quem diz isso com convicção, e indisfarçável alegria, é Andrés Oppenheimer, do primeiro time de colunistas do Miami Herald. Oppenheimer é argentino de nascimento e fala de boas notícias para os amantes do soccer nos Estados Unidos, país em que predominam o beisebol e o basquete. As chuteiras norte-americanas estiveram presentes em Johannesburgo, sem muito brilho, é verdade. Mas muitos analistas esportivos acreditam que o país de Obama se afirmará como potência futebolística em pouco tempo, talvez mesmo nas preliminares da Copa de 2014 no Brasil.

Oppenheimer dá mãos à palmatória, lembrando que já previu tal coisa antes, sem que suas antevisões de torcedor declarado se consumassem. Mas diz que agora joga com elementos concretos. Desde a Copa de 1994, nos Estados Unidos, têm circulado pesquisas, estudos e análises jornalísticas sobre mudanças na visão tradicional dos americanos de que o soccer é jogo de amadores, de mulheres e de crianças. Mais de 3 milhões de jovens estão registrados na United States Youth Soccer Association. Os Estados Unidos ganharam um mundial de mulheres. Mas os horizontes estariam se alargando e Oppenheimer se mostra convencido de que suas previsões finalmente se cumprirão. Sua coleta de dados parece indicar que sim.

Os Estados Unidos, em sua condição de superpotência, estariam na contramão continuando a tratar como de categoria secundária um esporte, o futebol, que se torna global e mobiliza, como nenhum outro, multidões ao largo do mundo. É de longe o esporte mais popular. Um fenômeno, portanto, que não poderia deixar de ter implicações políticas. A Copa na África do Sul empunhou a bandeira do combate ao racismo. A cadeia de televisão Fox, a de maior audiência nos Estados Unidos, dedicou três horas de uma de suas tardes de sábado à transmissão da final da Liga dos Campões da Europa, entre Bayern de Munique e Inter de Milão. Não só do jogo, também das repercussões.

Foi a primeira vez na história da televisão americana que um jogo de futebol se impôs em horário normalmente dedicado ao beisebol. Na mesma época, a revista Vanity Fair abriu espaço para Cristiano Ronaldo e o futebol português. Também para Didier Drogba, da Costa do Marfim. Sport Illustrate tratou o futebol como um “belo esporte”. Cerca de 130 mil americanos viajaram à África do Sul em função da Copa. Foi o maior contingente de torcedores e admiradores. ABC, ESPN e Univision gastaram US$ 425 milhões com transmissões nos Estados Unidos de jogos da Copa de 2010. Dez vezes mais do que desembolsaram com transmissões da Copa de 2006.

O vice-presidente de esportes da Nielsin, empresa de pesquisas de audiências, Stephen Máster, disse a Oppenheimer que o jogo de 12 de junho entre Estados Unidos e Inglaterra teve cerca de 15 milhões de telespectadores nas redes ABC e Univison, um recorde em finais de Copa. “Os americanos estão vendo o futebol como nunca antes”, expressou Máster, com base em dados computados por sua empresa. Pouco antes do começo da Copa de 2010, a Nike colocou no YouTube um filme promocional de três minutos. Foi visto por 15 milhões de americanos, ainda segundo Máster. Diplomatas já especulam sobre a possibilidade de que presidentes americanos, diante de um futebol global e do interesse crescente dos americanos por ele, terminem recorrendo a uma “diplomacia do futebol”.

O ex-presidente Bill Clinton, dos Estados Unidos, compareceu à tribuna de honra nos jogos do time de seu país na África do Sul. Na mesma tribuna, também uma rainha, príncipes, princesas e chefes de governos. Mais ainda, o presidente negro da África do Sul e o lendário Nelson Mandela. Oppenheimer lembra que “recentemente, o presidente Luiz Lula da Silva ofereceu a Seleção Brasileira para um jogo contra time resultante de coligação de Israel com palestinos”. Lula antes promoveu jogo entre as seleções do Brasil e do Haiti. Uso da força popular do futebol como instrumento político. O presidente Barack Obama, que cresceu jogando peladas na Indonésia, poderia recorrer ao futebol, a uma forte seleção americana, como instrumento de aproximação de países “pouco amistosos”.

Como sempre, não faltam desconfiados. Um indicativo importante serão as escolhas dos países que abrigarão as copas de 2018 e 2022. Os Estados Unidos estão no páreo desde já, mas céticos dizem que um aumento do cacife americano exigirá que a Fifa mude regras com o objetivo de facilitar gols. Muitos americanos se impacientam com jogos com poucos gols. O caso Bruno teve destaque na mídia dos Estados Unidos. Não somente pelo aspecto desumano. Também, ou sobretudo, por envolver um astro do
futebol brasileiro.
________________________
*Jornalista
Fonte: Correio Braziliense online, 14/07/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário