quarta-feira, 14 de julho de 2010

Europa: Estados, povos e nações

Mauro Santayana*


Sob o parecer de uma comissão de juristas, a Mesa do Parlamento de Barcelona negou à Generalitat da Catalunha realizar plebiscito para decidir se aquela região autônoma deve, ou não, tornar-se independente. A decisão não é conclusiva, e o movimento pela consulta, atendendo a uma proposta de iniciativa popular, prospera. Jordi Pujol, líder catalão, resume a situação dizendo que não há mais condições de vínculo com o governo de Madri. A opinião de destacados observadores é a de que, sendo feita a consulta, provavelmente a proposta da independência virá a prevalecer. Por isso, o governo central busca, de todas as formas, impedi-la. A ideia é a da constituição de um Estado nacional, que integre a União Europeia.

O problema da unidade da Espanha é tão antigo quanto a sua colonização pelos romanos. Esquina do Mediterrâneo com o Atlântico, a Península foi ocupada pelos cartagineses, celtas, fenícios (os primeiros povoadores da Catalunha), romanos, isso sem falar nos povos autóctones, como é o caso dos bascos. A uma revolta na Catalunha, na metade do século 17, os portugueses devem a restauração do trono – que estava sob o domínio de Castela, desde 1580 – em 1640.

Enquanto o governo do Conde-Duque de Olivares, primeiro-ministro de Filipe IV, se empenhava em combater os rebeldes catalães e as tropas francesas que os ajudavam, os portugueses se aproveitaram da situação e restauraram o trono, iniciando a dinastia dos Bragança. Os portugueses tinham, entre outras razões, a indiferença da Espanha frente à ocupação de Pernambuco pelos holandeses. Foi a aliança de colonos portugueses, índios e negros que expulsou os holandeses do Recife, na bela gesta dos Guararapes, depois de 24 anos de ocupação.

Ao mesmo tempo em que se constrói a unidade da Europa, reafirma-se o sentimento nacionalista de muitos de seus povos. Os grandes Estados europeus se construíram mediante as conquistas bélicas e os matrimônios dinásticos, passando sobre as fronteiras históricas, mas perdura a ideia de que os povos devem prevalecer sobre os Estados artificiais. O principal teórico dessa doutrina é o basco Ortzamendi. Pujol, que foi presidente da Generalitat, a ela aderiu, e chegou a enviar representantes do governo da Catalunha a outras “regiões historicamente diferenciadas” da Europa, como a Irlanda e a Bretanha.

Os espanhóis estão inquietos. Mesmo que a Mesa do Parlamento catalão se tenha oposto a que a iniciativa prospere, teme-se que o povo vá às ruas. Se o povo catalão, que ainda guarda, tantos séculos passados, a memória da repressão exercida pelas tropas de Olivares, for às ruas, seu exemplo poderá estender-se a outras regiões espanholas, a começar pelo País Basco. Em todas elas há certo ressentimento histórico contra Castela; de Aragon à Andaluzia; da Andaluzia às Astúrias; da Galícia à Estremadura.

Depois do franquismo, os governos democráticos de Madri fizeram concessões de autonomia relativa às regiões, mediante estatutos, negociados caso a caso, em que alguns povos, como o catalão, obtiveram mais do que os outros. Isso foi bastante, segundo Madri, e os poderosos da Espanha não querem conceder mais porque temem uma federação, o que poderia reacender a chama republicana, da última vez apagada em sangue por Franco. A nobreza da Espanha sente a nostalgia do esplendor de Filipe II, e a presença de um monarca – mesmo que seja um Bourbon, como Juan Carlos, e não um Habsburg, como foi o grande filho de Carlos V – lhe serve.
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*Jornalista
Fonte: JB online, 13/07/2010

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