sexta-feira, 9 de julho de 2010

Excesso de exposição

Carlos Marcelo
carlosmarcelo.df@dabr.com.br



— Pai, o que é esquartejar?

A pergunta veio na noite de quarta-feira. A extrema brutalidade no relato de envolvidos no desaparecimento e presumível assassinato de Eliza Samudio invadiu as casas de todo o Brasil. Sem filtro, sem eufemismos, sem aviso prévio do conteúdo absolutamente inadequado para menores. No epicentro do caso, o capitão do time de maior torcida do Brasil. O goleiro Bruno se firmou nos últimos anos como uma referência para milhões de crianças apaixonadas por futebol. E são elas, independentemente do clube para o qual torcem, que estão mais perplexas, totalmente desorientadas com o envolvimento do jogador em história tão aterradora.

De repente, em vez de discussões sobre a final inédita da Copa do Mundo ou sobre o fracasso da Seleção de Dunga, o noticiário foi monopolizado por frases como “o adolescente viu a mão de Eliza ser atirada para os cães e os ossos do corpo foram concretados” e “Eliza foi degolada, desossada e jogada para os animais”. Pior: em menos de dois dias, especialistas já estão na tevê tecendo conjecturas macabras, do tipo “os cachorros podem ter consumido partes do cadáver e, se eles ingeriram carne humana, pode ser que haja resquícios nas fezes dos animais”. Nenhuma criança passará incólume por esse tipo de informação.

Por isso, cabe às autoridades mais trabalho investigativo e menos deslumbre com os holofotes das câmeras. Um dos delegados, na última quarta-feira, passou uma hora concedendo entrevista ao vivo para um programa sensacionalista. Falou de tudo, inclusive dos próximos passos da investigação. Repetiu a dose na tarde de ontem, dessa vez em interminável entrevista coletiva. Escancarou inclusive as contradições levantadas pela polícia, facilitando o trabalho dos advogados de defesa. Uso desnecessário de adjetivos em relação aos acusados, teatralizações grotescas, reproduções de detalhes, comparações infelizes, tudo isso é dispensável nessa hora delicada. Não em respeito aos criminosos, mas aos que nada têm a ver com a história e são expostos de forma desnecessariamente ostensiva. Um pouco mais de responsabilidade, um pouco menos de vaidade. Os pais agradecem.
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Fonte: Correio Braziliense online, 09/07/2010

Um comentário:

  1. Realmente, Guiotto, o mundo anda perdido e absolutamente sem noção de critérios e limites. O público deveria ser poupado desses detalhes na TV, é uma coisa sobremaneira chocante. A TV aberta precisa rever seus critérios, na mídia está valendo TUDO pra conquistar IBOPE, é simplesmente O FIM!!! A quem interessa toda essa sordidez irrecuperável?

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