sexta-feira, 9 de julho de 2010

No mundo da crença indiscutível

Termômetro:
Brasileiros gostam de cultivar misticismos,
paragens em que também mora o perigo de se acreditar
na existência de salvadores da pátria.
Por Alberto Carlos Almeida *

 O Brasil se tornou a grande estrela dos investidores estrangeiros. Eles olham para todos os países, comparam e chegam à conclusão de que o mais rentável é o Brasil. Isso se refere não apenas a investimentos no curto prazo, mas também, e principalmente, a investimentos que vão remunerar os investidores em cinco ou dez anos. Bom para todos nós. O dinheiro continuará entrando e isso é um importante motor do desenvolvimento econômico. O Brasil se tornou atraente para o capital internacional e o mérito é dos últimos governos, de Fernando Henrique Cardoso e de Lula.

Para continuarmos avançando, precisamos atacar problemas sérios que ainda temos, alguns dos quais com sinais de melhora nos últimos anos. Destacaria dois: o nível educacional da população e a carga tributária elevada, injusta e geradora de pobreza e desigualdade. Os impostos têm sido um tema constante desta coluna, a educação também. No que se refere à educação, tenho defendido que o que realmente importa não é adicionar novas disciplinas ao currículo, mas ensinar bem ensinado o que todos precisam aprender: português, matemática e ciências. Se for possível adicionar o inglês, melhor.

Um dos efeitos esperados da melhoria do nível educacional da população é a diminuição da crença em mágicas. Trata-se de algo muito comum no Brasil. A seleção é eliminada da Copa do Mundo e a causa disso é algo mágico, tal como a expulsão de um jogador ou o fato de o técnico ser inexperiente. O oposto disso é admitir que, numa Copa, há um vencedor e 31 perdedores. Assim, ser eliminado é a regra e ser campeão é a exceção. Os times perdem, os goleiros falham, os jogadores são expulsos e há viradas no placar. Assim é o mundo sem mágica.

Recentemente, vimos a mesma crença aplicada à política. Quando Dilma Rousseff encostou em José Serra nas pesquisas, tornou-se preponderante no noticiário a ideia de que, se Aécio se tornasse o vice de Serra, haveria uma mudança dessa tendência. Mais uma vez, trata-se de uma visão mágica. Escolha-se um determinado vice e tudo muda. Os exemplos podem ser multiplicados. Quando aconteceu o atentado de 11 de setembro, a interpretação corrente era de que o mundo mudaria. O mundo pós-atentado em nada se pareceria com o mundo pré-atentado. Isso não ocorreu. A grande mudança foi o maior rigor nos embarques de voo para os EUA e dentro do país. O atentado não resultou em consequências mágicas.

Um dos terrenos mais férteis para as crenças mágicas é o mundo da religião. O recente fenômeno do crescimento das religiões evangélicas no Brasil tem chamado atenção para esse fato. Muitos de nós nos recordamos dos grandes eventos em estádios de futebol liderados pelo pastor Edir Macedo, nos quais os fiéis, crendo no milagre, doavam seus óculos para a igreja. A crença milagrosa era de que, ao doar os óculos, a miopia, o astigmatismo, ou qualquer outro problema de visão ficaria curado. A crença em tais fenômenos vem acompanhada, na maioria das vezes, da crença em coisas mais sérias, que na maioria das vezes fundamenta toda a doutrina religiosa.

Foi pensando nisso que, na última semana de maio de 2010, o Instituto Análise fez várias perguntas em uma pesquisa nacional, para saber em quê os brasileiros acreditam.

Nada menos do que 93% dos adultos acreditam que Jesus Cristo ressuscitou e ascendeu aos céus. Apenas 4% disseram não acreditar que isso tenha ocorrido e outros 3% não quiseram responder à pergunta. Além disso, 76% acreditam que depois de morrer desfrutarão da vida eterna, 14% disseram que não acreditam na vida eterna e 10% não responderam.

Foi perguntado também para cada entrevistado qual seria seu destino após a morte: 66% afirmaram que irão para o céu, 6% disseram que irão para o purgatório, 3% consideram que irão para o inferno e humildes 25% afirmaram que não sabem para onde irão. É claro que entre esses 25% estão também aqueles que acham que não há vida após a morte. Continuando nesse tema, descobrimos que 50% dos brasileiros acreditam que o purgatório existe e 40% disseram que não existe. Os demais 10% não responderam.

A crença em outros dogmas da religião cristã também foi investigada, como a virgindade de Maria e a transubstanciação da hóstia e do vinho em corpo e sangue de Cristo. Nada menos do que 82% acreditam que Maria concebeu Jesus Cristo sendo virgem, 12% não acreditam nisso e 6% não responderam. Isto é, 12% acham que Maria, para conceber Jesus, precisou fazer sexo com José. Aliás, quanto a isso, há uma contradição factual na Bíblia. Afirma-se que Maria era virgem e que Jesus era descendente da casa de Davi. As duas coisas são incompatíveis, dado que o descendente de Davi era José. Assim, para ser descendente da casa de Davi, Jesus precisaria ser filho biológico de José.

Quanto à transubstanciação, 93% acreditam que no momento da comunhão a hóstia se transforma no corpo de Cristo e o vinho se transforma em seu sangue. Somente 4% não creem que isso aconteça e 3% não responderam.

Voltando ao tema da vida após a morte, 63% acreditam que vão encontrar seus familiares que já faleceram, 26% não acreditam nessa possibilidade, 11% não responderam.

Um tema típico da religião católica, o poder dos santos, também foi investigado: 65% acreditam que, se fizerem um pedido para um santo ou uma santa, ele ou ela vai interceder junto a Deus para que o pedido seja atendido, 30% não acreditam que isso ocorra e 5% não responderam.

Igualmente interessante é que 37% dos brasileiros consideram que já lhe ocorreu algum milagre ou com alguém de sua família, 58% afirmam que nunca aconteceu tal coisa e 5% não responderam. Adicionalmente, foi perguntado a esses 37% que já foram beneficiados por milagre o que acontecera. Para 48%, houve a cura de um doença grave, 7% afirmaram que escaparam de um acidente de automóvel e 4% garantem que algum parente morreu e depois ressuscitou. Os demais milagres se distribuíram em proporções iguais ou menores do que 3%: ficar livre do vício de drogas, conseguir um emprego (é notável que uma parcela, ainda que pequena, da população considere que obter um emprego seja um milagre), cura da cegueira, comprar casa (tão notável quanto conseguir um emprego), ouvir a voz de Deus, receber um dinheiro que não esperava, criança sobreviver a um afogamento e assim por diante.

Cabe ao leitor julgar quão disseminado é no Brasil o pensamento mágico. Creio que é muito. Cabe também ao leitor avaliar se isso é bom ou não para o desenvolvimento de nossa sociedade. Acho que não é. Acreditar na ressurreição de Cristo e na vida após a morte é, salvo melhor juízo, o próprio fundamento do cristianismo. Ou seja, tudo bem. O mais interessante é a crença em outras mágicas, como a existência do purgatório, a transubstanciação, a intercessão dos santos junto a Deus e a virgindade de Maria. É mágica demais. Quem acredita nisso tudo está propenso também a acreditar, por exemplo, em salvadores da pátria.

Não coincidentemente, portanto, é relevante ressaltar que todas essas crenças são mais fracas na região Sul. Aliás, a pesquisa também mostra que, quanto mais uma pessoa frequenta a igreja, mais acredita em todos esses dogmas. A frequência à igreja, entre a população da região Sul, é menor do que em todas as outras regiões. O Sul é mais europeu e germânico, teve mais influência do protestantismo da Europa continental. O protestantismo, ao contribuir para aumentar o nível educacional de toda a população, agiu inadvertidamente para enfraquecer a crença nas mágicas.

O Brasil, e não somente uma de suas regiões, precisa lidar com seu baixo nível educacional e seu alto nível de crenças em coisas que não encontram fundamentação empírica.
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*Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo". alberto.almeida@institutoanálise.com www.twitter.com/albertocalmeida
Fonte: Valor Econômico online, 09/07/2010

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