sexta-feira, 2 de julho de 2010

"O povo de Israel é a favor do Estado Palestino"

Henry sobel

O rabino, líder da colônia israelita, diz que
os judeus sabem da necessidade de ter duas nações na região



Rodrigo Cardoso

FURTO DAS GRAVATAS
“Aquele episódio foi o maior pesadelo da minha vida. Fiquei em depressão por dois meses”

De roupão branco, descalço e cabelos bagunçados, o rabino Henry Isaac Sobel recepciona a reportagem de ISTOÉ em sua casa, às 7h45 de uma fria manhã paulistana. Sentado no sofá com as pernas cruzadas, convida para que seu jardim seja apreciado. Oferece água e café. E começa a falar de suas origens. Filho de um polonês e uma belga, ele nasceu em Lisboa, Portugal, para onde seus pais rumaram fugindo do nazismo. Mas seu sotaque é americano – ele foi criado em Nova York. No mês que vem, faz 40 anos que Sobel desembarcou no Brasil.


"O Brasil está mais maduro, independente em relação a outros países.
Lula abriu as portas do País e a cabeça do povo para assuntos mundiais"

Aqui, conquistou o respeito de religiosos, políticos e empresários principalmente por estar do lado da liberdade na época da ditadura. Em 2007, porém, foi crucificado por ser preso furtando quatro gravatas em uma loja, na Flórida (EUA). De lá para cá, seus opositores fo­ram minando sua atuação. Depois de quase três décadas à frente da presidência da Congregação Israelita Paulista (CIP), Sobel se tornou rabino emérito em fevereiro. Aos 66 anos, continua na ativa. Acorda às 6h e estuda um trecho do “Talmud” (textos do judaísmo rabínico). O resto do dia é dividido entre telefonemas, e-mails, palestras e as pessoas que recebe na biblioteca de casa.

"Israel tem uma imagem dura por causa da posição
política do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu"

Istoé - Faz 40 anos que o sr. desembarcou no Brasil. Que ideia tinha daqui?
Henry sobel - Futebol e mulheres ma-ra-vi-lho-sas. Quando fui convidado, meus colegas do seminário disseram: “Que sorte. Você vai conhecer o Brasil sem compromissos (risos)”. Quando cheguei senti que um trabalho sério, principalmente com a juventude, me esperava. Quarenta anos no Brasil... sobrevivi! Sobrevivi à comunidade judaica! – estou brincando. Sobrevivi às pressões da vida em geral.

Istoé - Como enxerga o Brasil do futuro?
Henry sobel - Como um país democraticamente consolidado. Vejo sinais de populismo no governo Lula embutidos em uma democracia maior. Enxergo o processo eleitoral como um processo sadio, um belo exercício de democracia. O Brasil está mais maduro, independente em relação a outros países. Lula abriu as portas do País e a cabeça do povo brasileiro para assuntos mundiais. O Brasil era um gueto. Não é mais. O Brasil já chegou a ser aquilo que nós queremos no futuro.

Istoé - O sr. superou o episódio em que foi detido furtando gravatas?
Henry sobel - Aquele episódio foi o maior pesadelo da minha vida. Fiquei em depressão por dois meses. Não queria me perdoar pela estupidez do ato. Era algo totalmente incompreensível para eu explicar a mim mesmo. Essa foi a causa principal da minha depressão. Aos poucos, a gente recomeça, trabalha... tem de acreditar que existe um bem para contrabalançar o mal, que a gente tem livre e espontânea vontade e podemos errar. E, às vezes, devemos errar para aprender o arrependimento. E pode crer que o arrependimento fazia parte desse processo dolorido. Fomos nós, judeus, que inventamos o arrependimento como conceito de Yom Kipur, o dia do perdão. Então, eu resolvi, durante aquela depressão, ser mais judeu e procurar perdoar a mim mesmo. Nunca justificar aquilo que aconteceu, mas avançar e superar. Em Yidish, uma língua que mistura hebraico e alemão, meu pai sempre disse para mim: nohr veiter, que significa para a frente. O ensinamento simples, mas profundo, do meu pai me ajudou a superar essa grande decepção comigo mesmo.

Istoé - Em sua autobiografia “Um Homem. Um Rabino” o sr. revela que já havia furtado uma gravata antes. Qual o motivo da reincidência?
Henry sobel - Me senti frustrado por não superar o meu problema de desordem psicológica. Foi uma manifestação de depressão bipolar que se repetiu naquele segundo episódio. Me conscientizei da minha fragilidade e de que deveria procurar ajuda médica.

Istoé - Acredita que a importância de certas figuras públicas é abalada pelos deslizes na vida privada?
Henry sobel - Essas pessoas podem ter deslizes, mas não os deve ter. Eu não justifico um erro deste tamanho. Há alguns que encaram isso como uma mancha. Outros enxergam como um erro de um ser humano. Para mim, é uma mancha na minha biografia, que pode ser corrigida por meio do trabalho, da integridade, para que nunca mais aconteça.

Istoé - Quem o apoiou na ocasião?
Henry sobel - O José Serra, o prefeito (de São Paulo, Gilberto Kassab), o cardeal-arcebispo (dom Odilo Scherer). O Fernando Henrique (Cardoso) manifestou apoio por telefonema, assim como (o empresário) Antônio Ermírio de Moraes. Dom Paulo (Evaristo Arns) nem se fala: foi um dos primeiros a me mandar telegrama.

Istoé - Que candidato o sr. irá apoiar na eleição presidencial?
Henry sobel - Vou trabalhar pelo Serra. Acompanhei-o quando prefeito e governador. Os pedidos da comunidade (judaica) sempre foram atendidos por ele. Serra sabe distinguir entre o importante e o trivial. O Brasil, hoje, não necessita de marketing social, mas sim de um governo de autêntica ação social. Além disso, eu e Serra temos um relacionamento pessoal. Existe uma simpatia que transcende motivos racionais, embora haja motivos racionais. Não conheço a Dilma, por isso não posso compará-los.

Istoé - Como vê os oito anos de mandato do presidente Lula?
Henry sobel - O Bolsa Família se revelou uma atitude populista que não correspondeu à verdadeira fome que o povo brasileiro passa. Foi um slogan que se tornou, infelizmente, a locomotiva de uma gestão. Lula manobrou muito o povo. Ele também manobrou, junto com a habilidade do Itamaraty, as relações com alguns países, como o Irã. Seu interesse é conseguir uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esperto como ele é, procurava todos os meios para se fortalecer, e não necessariamente para fortalecer o povo.

Istoé - Como explica a popularidade dele?
Henry sobel - Com conteúdo encaixado em ideias populares. Lula é um gênio em relações públicas. Nunca vi, nesses 40 anos de Brasil, alguém tão dotado quanto ele. Ele me convidou para irmos juntos ao enterro do Papa (João Paulo II, em 2005). Tive a oportunidade de ficar sentado com Lula por 25 minutos no avião. A grande vantagem de ter uma conversa em um avião é que ninguém pode sair pela janela (risos). Durante esse tempo com ele fui convencido de quase tudo, sério! Se Lula tentar me convencer em relação à Dilma, vou chamar o Serra para ficar ao meu lado. Para eu não correr riscos! (risos) Ele é capaz de convencer qualquer um sobre a justiça da causa que ele defende. Isso é uma faca de dois gumes. Ele sabe do poder que tem e o usa para os interesses da consolidação do governo. Mas também alimenta esperança no povo. Nesse caso, o poder que ele usa faz bem para os desprivilegiados. Ele, então, deve ser elogiado pelas qualidades e não ser apenas alvo de críticas.

Istoé - Como está o diálogo inter-religioso, hoje, no Brasil?
Henry sobel - Estamos avançando cada vez mais. É necessário se colocar na pele do outro para alcançar a paz. Contamos com o apoio de todos os cardeais quando iniciamos esse trabalho, como consequência do caso Vladimir Herzog (morto pela ditadura militar). Eu e dom Paulo participamos ativamente do protesto contra o governo militar. Nós, então, decidimos abrir um canal permanente de diálogo e assim acontece desde 1975. Esse diálogo está mais ativo porque conquistamos credibilidade. Recebi várias ameaças durante a época militar, telefonemas e cartas anônimas. A ditadura é inimiga do diálogo.

Istoé - Qual a sua posição sobre o ataque da Marinha de Israel à frota humanitária que iria a Gaza?
Henry sobel - Considero que Israel deveria ter lançado mão de outros métodos para impedir a chegada do comboio. A perda de vidas é inaceitável, mais ainda quando se trata de civis. Sou favorável à paz negociada e à convivência – lado a lado – de dois Estados: Israel e a Palestina. Essa crítica à ação do governo de Israel, que se soma às vozes de inúmeros humanistas – judeus e não judeus – no mundo inteiro, não deve, contudo, ser confundida com qualquer tolerância ao terror. O apoio a grupos que lutam pela destruição do Estado de Israel é incompatível com a paz e a democracia.

Istoé - Como enxerga o futuro de Israel?
Henry sobel - Israel tem uma imagem dura por causa da posição política dura do primeiro-ministro (Benjamin Netanyahu). Mas isso não reflete o pensamento do povo de Israel. O povo já acredita na necessidade de criar dois Estados para dois povos. Até Benjamin Netanyahu reconhece, em teoria. Mas as exigências dele são altamente radicais. Construir 400 casas justamente na área que iria se tornar o Estado Palestino não é a maneira mais fácil de se chegar à mesa de negociações. Os fins são bons, os meios, deixam muito a desejar.

Istoé - O sr. foi presidente do rabinato por 29 anos. Agora, como emérito, como se sente na aposentadoria?
Henry sobel - Me tornei emérito em fevereiro deste ano. Emérito é um ponto referencial que deve colocar aquele que carrega o título à disposição do seu povo. Cabe ao emérito corrigir erros que ele cometeu, no meu caso, durante os primeiros 40 anos. E fortalecer o compromisso com a verdade. Tenho trânsito livre na CIP, hoje presidida por Dora Brenner. Não faço as prédicas às sextas-feiras à noite, embora frequente a sinagoga. Nunca fui proibido de participar de uma atividade religiosa. Continuo na ativa. Celebro noivados em residências, casamentos em sinagogas e bufês de São Paulo. Celebro, ainda, cerimônias como o Bar Mitzva (maturidade religiosa para os homens) e o Bat Mitzva (maioridade religiosa para as mulheres).

Istoé - A dedicação à família ficou aquém da sua entrega ao rabinato?
Henry sobel - Não vi o crescimento da minha filha (Alisha, 27 anos) e não me dediquei à minha esposa (Amanda, com quem está casado há 34 anos) como gostaria. Me dediquei muito à CIP e paguei um preço alto. O meu relacionamento com Alisha é formal. Eu preferiria que fosse íntimo e informal. Não faz mal. Nohr veiter. Estou compensando aos poucos, dando mais de mim a ambas sendo emérito na CIP. Me sinto feliz.
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Fonte: ISTO É online, N° Edição: 2121 02.Jul

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