sexta-feira, 2 de julho de 2010

A propósito de outra cegueira

Mauro Santayana*

“El peor – me disse Jorge Luis Borges, em agosto de 1975, quando o entrevistei em Buenos Aires – és cuando la mente és ciega”. O grande escritor respondia a uma pergunta delicada: como se sentia um grande escritor que ficara cego? Os cegos costumam pensar bem melhor do que os videntes, e sobre isso há o belo estudo de Diderot, Lettre sur les aveugles. Entre os exemplos da argúcia intelectual dos cegos, o filósofo cita o caso de Mademoiselle de Salignac, que nunca enxergara e era apaixonada por geometria. Ela explicava a razão de seu apego às linhas e curvas: “O geômetra passa quase toda a sua vida de olhos fechados”. Respondendo a Diderot, que lhe perguntara onde descobrira que cabiam seis pirâmides perfeitas dentro de um cubo, ela disse tranquilamente: “Dentro de minha cabeça, como qualquer pessoa”.

Saramago não foi o primeiro a imaginar uma situação em que todas as pessoas começam a ficar cegas. A ideia, com o susto que provoca, é antiga. Mas há outras situações desesperadoras. Otto Lara Resende, em O elo partido, narra a angústia de um homem que começa se esquecendo de como dar o nó na gravata, até não se lembrar de seu próprio nome. É a terrível cegueira da mente, de que me falou Borges naquela tarde. Em seu reacionarismo, ele se referia à situação política: não podia entender que os seus conterrâneos, perdidos no labirinto, buscassem, antes com Evita e naqueles meses com Isabelita, o fio que os conduzisse à saída.

Os dirigentes do PSDB que aceitaram a imposição dos “democratas” do Rio e aprovaram o nome do ex-genro de Salvatore Cacciola como candidato à Vice-Presidência da República, parecem cegos mentais. Como não sabemos o que se passa nos corações e mentes alheias, é até possível que o ex-governador José Serra esteja resignado a perder o pleito e se previna, para explicar depois a derrota pela incômoda companhia que lhe arranjaram.

O jovem entusiasmado pela justiça social e pelo futuro do Brasil que conheci em La Paz, no inverno rigoroso dos Andes, em julho de 1964, é homem dotado de inteligência, conhecimentos e experiência política. Ele decidiu, realmente, lasciar perdere, ou está engambelando o DEM, usando o tempo, que é muito escasso, a fim de encontrar uma saída e, nela, candidato com menos problemas.

Revela-se que o jovem Indio da Costa, além das perigosas ligações com Cacciola, foi alvo de investigação da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a propósito de merendas escolares, de que foi relatora Andréa Gouveia Vieira. Andréa é mineira de Belo Horizonte, descendente de famílias tradicionais na política; é neta, pelo lado paterno, de João Franzen de Lima, da antiga UDN, e, pelo lado materno, de Eduardo Lucas Pereira, do velho PSD. Pela família materna do pai é parente de Cristiano Machado, outra família histórica na política do estado – também do PSD. O pai ocupava a esquerda do clã, como dirigente do pequeno e corajoso Partido Socialista Brasileiro. Como Andréa é correligionária de José Serra, é bom refletir sobre tudo isso.

O ex-governador José Serra se tornou refém de Cesar Maia, uma das mais desastrosas invenções de Leonel Brizola, grande homem público mas ingênuo diante dos aproveitadores e oportunistas, sempre dispostos a traí-lo. Serra anda mal de aliados: além de Cesar Maia, deve suportar a companhia de Roberto Jefferson, ex-guardião de Fernando Collor.

Se agiu pensando em ser pragmático, Serra cometeu um equívoco, porque ninguém compra o que já tem: se os “democratas” não lhe derem seus votos, a quem os darão?
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*Jornalista. Príncipe das notícias políticas, segundo o teólogo Leonardo Boff.
Fonte: JB onlina, 02/07/2010

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