Gláucio Soares*
O Brasil lança sua primeira pesquisa nacional de vitimização. Arredondando, serão perto de 70 mil entrevistas, número próximo das realizadas pelo National Crime Victimization Survey (NCVS), nos Estados Unidos.
Os dados a respeito do crime e da violência que se encontram nas estatísticas policiais, criminais e judiciais não são completos, embora essas estatísticas tenham inegável utilidade. Pesquisas localizadas demonstram que há muita diferença entre o que chega às autoridades e o que realmente acontece. Uma, levada a cabo há uma década aqui no Distrito Federal, revelou que percentagens muito altas da população não informam a qualquer autoridade que foram vítimas de um crime. A percentagem varia de acordo com o crime, mas os dados demonstram que as estatísticas oficiais, baseadas em boa parte nas denúncias, deixam de fora mais do que registram. Em apenas 42% dos roubos à mão armada a vítima procurou uma autoridade; nos ferimentos por arma branca que, com frequência, indicam tentativa de homicídio, dois terços deixaram de informar as autoridades.
E, no caso de ferimentos por armas de fogo, que, em sua maioria, são claras tentativas de homicídio? Nada menos de 58% não informaram. Quatro em cinco das lutas corporais, no Distrito Federal, não foram computadas. A percentagem dos crimes menores, como furto de celulares, que é informada às autoridades é muito baixa. Nesses casos, as informações oficiais são inúteis.
Pesquisa patrocinada pelo ISP (Instituto de Segurança Pública) no Rio de Janeiro revelou que apenas 24% dos que tiveram algum bem furtado comunicaram o fato. Três em cada quatro não entraram nas estatísticas. No caso de roubos, que implicam uso de força ou violência, apenas 38% reportaram o crime.
Nos furtos e roubos de veículos, dois terços fizeram a denúncia. Embora o seguro dos veículos seja obrigatório por lei, muitos não cumprem essa obrigação. Sentem-se desencorajados a fazer as denúncias. A subnotificação, que não se distribui aleatoriamente pelo espaço econômico e social, contribui para o desvio do uso racional dos recursos policiais.
O Brasil sai atrasado nessa iniciativa. O NCVS, nos Estados Unidos, começou em 1972; 10 anos mais tarde, em 1982 (há 28 anos), os britânicos começaram a coletar informações periódicas sobre o crime; o International Crime Victimization Survey começou há 20 anos e até Barbados começou antes de nós, em 2002.
Para que serve essa pesquisa? Uma pesquisa nacional de vitimização não é, apenas, uma contagem de crimes. Qualquer pesquisa pode e deve ser usada para produzir muito conhecimento. O National Opinion Research Center, onde trabalhei em 1959 e 1960, na Universidade de Chicago, desde 1972 conduz um survey muito conhecido, o GSS (General Social Survey), uma espécie de Pnad, cobrindo as experiências e opiniões sobre muitas áreas de interesse político e social. O GSS é colocado à disposição de todos logo após a coleta dos dados. Qualquer um pode baixá-lo pela internet. O único requisito é comunicar ao Norc onde e como foi usado; destarte, no texto de um artigo científico ou livro é praxe indicar as fontes que foram usadas. Não obstante, nem todos o fazem.
Com base apenas nos que informaram, sabemos que o GSS é usado nas aulas por mais de 400 mil estudantes todos os anos, como parte do aprender a pesquisar e a usar dados. Os dados do GSS foram usados em mais de 15 mil livros e artigos acadêmicos e científicos. Ou seja, o GSS é uma importantíssima fonte para a produção de conhecimento a respeito da sociedade americana que, talvez por isso, é a que melhor se conhece. Qualquer informação pode ser acompanhada ano trás ano desde o momento em que foi introduzida no questionário, o que permite conhecer tendências em muitas áreas durante décadas.
________________________________________
*Sociólogo, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)
Fonte: Correio Braziliense online, 01/07/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário