quinta-feira, 8 de julho de 2010

Trilema de Münchhausen

FABIANO STEIN COVAL*


A expressão trilema de Münchhausen refere-se, conforme teorizado pelo filósofo Hans Albert, à impossibilidade de fundamentarmos o conhecimento, ou seja, toda tentativa de fundamentação ou justificação do saber é esforço em vão, pois resulta em: 1- uma regressão infinita, 2- um argumento circular ou 3- uma suspensão arbitrária do raciocínio. Assim, teríamos três opções igualmente inaceitáveis (daí o trilema) para justificar qualquer proposição. Münchhausen, célebre barão mitômano que se salvou de um pântano puxando a si mesmo pelos cabelos, indica que as “fundamentações últimas” do saber não passam de fantasias.

Todavia, não é desse instigante problema filosófico que falarei neste artigo e, sim, de como um trilema semelhante pode ser vivenciado no âmbito da educação por professores.

Em uma sala de aula há, via de regra, três tipos de estudantes: os alunos ótimos, que gostam, não da escola ou dos professores — que normalmente são chatos mesmo —, mas de estudar, do aprendizado em si mesmo, encantam-se com descobertas e sentem-se felizes com a solução de um problema complexo, a conquista do reconhecimento por bom trabalho. Trata-se do aluno que, antes da escola, aprendeu em casa que estudar é importante.

Uma segunda classe de alunos — a maioria — compreende aqueles que simplesmente “estão na escola”, passam pela escola porque “faz parte” do processo, alguém o mandou para lá e, mesmo que não tenha sido empurrado para os bancos escolares, acabou por aceitar que precisa estar lá. Trata-se de um ato mecânico, inconsciente, sem o menor significado. Esse tipo de aluno nem gosta nem odeia a escola, ou às vezes gosta e outras vezes odeia, pois sua vida escolar, assim como sua vida social e familiar, não é mais do que um “tanto faz!”.

Finalmente, há os alunos mais famosos da escola, o baderneiro, o indisciplinado, o que flerta com a marginalidade (ou já está bem enfiado no mundo do crime), o que barbariza e vandaliza, o que pratica bullyng, o que tem como ídolos os analfabetos que enriqueceram jogando futebol ou apresentando programas televisivos para outros analfabetos, o que se orgulha de ser ignorante e defende a esperteza como meio de ascensão social. Ascensão que normalmente jamais deixará de ser uma ilusão confusa.

Isso tudo é fruto da universalização do acesso à educação, da qual não é politicamente correto falar contra e nem é esta minha intenção. O fato é que, diante desta realidade, o professor encontra-se sem saída, diante de um trilema:

1- se dá mais atenção aos bons alunos e “cobra” na medida da capacidade deles, aprofundando as matérias das aulas de tal modo que efetivamente capacite tais estudantes para vestibulares e concursos ou, no mínimo, permita a tais estudantes crescer cada vez mais, estará condenando a maioria dos alunos medianos do segundo tipo a um nível de complexidade e exigência incompatíveis com sua problemática noção do que significa estudar;

2- se dá mais atenção à maioria da segunda classe, os estudantes medianos, que não conseguem digerir mais do que arroz com feijão, pois não pretendem fazer vestibular ou arrumar um emprego que exija mais do que Ensino Médio, o professor estará condenado os alunos do primeiro tipo a uma verdadeira tortura intelectual: fazer duas operações matemáticas quando já se sabe fazer as quatro, durante todo o ano letivo, por exemplo. É uma verdadeira crueldade e só faz crescer no bom aluno o desânimo e a frustração;

3. Se dá atenção aos “maravilhosos” do terceiro tipo, o docente é obrigado a se transformar em uma mistura mal-feita de assistente social, psicólogo, advogado, amigo e confidente que não terá como dar aula de coisa alguma para ninguém.

Governadores, secretários da educação, pedagogos e nefelibatas acham que está tudo muito bom e, é claro, só pode ser culpa do professor não saber trabalhar com a heterogeneidade das salas de aula. Falam, mas ninguém conseguiu demonstrar que a situação não é a de um verdadeiro trilema e, não importa qual caminho o professor escolha, ninguém poderá culpá-lo pelo fracasso generalizado.

E não, eu não tenho uma proposta! Cabe a cada professor decidir e assumir o que faz.
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*Fabiano Stein Coval é professor de Filosofia
Fonte: Correio Popular online, 07/07/2010

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