sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Prazer e esbelteza

 Joaquim Motta*

Na sociedade de consumo, parece que a fruição do prazer está diretamente ligada ao ganho de alguma coisa – a compra de um bem, a conquista de alguém.

Talvez a única perda desejável seja a que promove o emagrecimento. De modo geral, jovens, adultos e maduros desejam perder alguns quilos. Muitos ensaiam sem iniciar uma dieta, outros se debatem com o efeito “sanfona”, em que engordam e emagrecem alternadamente, fazendo dietas radicais e retomando a alimentação exagerada também radicalmente.

Outra generalidade é que as pessoas vão ganhando peso com o passar do tempo. Se os colegas de turma de uma faculdade projetam congraçamentos a cada década, em média, estarão dez quilos mais pesados em cada reunião. Se não tomarem alguma providência, interrompendo esse acúmulo, aumentarão sua massa corporal (massa gorda, não muscular) em 50% ao se aproximarem da aposentadoria.

No outro polo da questão, felizmente menos generalizado, observamos o jejum a que muitas moças se dedicam, algumas chegando ao cúmulo da anorexia.

Para os cristãos, especialmente católicos, nas temporadas de quaresma, fazer jejum e reviver ritos de abstinência não tem a mesma importância que teve na Idade Média. Mas ainda se observam algumas condutas que sustentam essas tradições.

As biografias de mulheres que viveram desse modo naquela época e que, mais tarde, pelos critérios da Igreja Católica Romana, foram apontadas como santas, revelam quadros clínicos severos. Há um livro sobre o tema: “Do altar às passarelas”, de C. Weinberg e T. Cordás.

Rituais de autoflagelação ainda são praticados em muitas religiões; entre os hindus, é prática antiquíssima, adotada por pessoas que fazem dolorosos martírios em busca de purificação física e espiritual.

Na Malásia, durante o mês de fevereiro, o festival anual de Thaipusam é uma ocasião pública de suplícios. Homens e mulheres penitentes ostentam seus votos de sacrifício com agulhas espetadas no corpo, língua e rosto, em montagens complexas que os transformam em verdadeiros iantras humanos oferecidos à divindade.

No contexto da moda e do consumo, as deusas são as anoréxicas. A magreza excelsa é um poder despótico e implacável, uma ditadura que sufoca as mulheres em geral e transporta a escanifre a uma passarela subvertida em andor. Ali, ela está na procissão das modelos divinas, em um verdadeiro altar.

Porém, esse endeusamento é fatal. Em sua terrível esqualidez bem maquiada, as mulheres “tamanho zero” (linguagem dos estilistas) representam um vigoroso referencial de sadomasoquismo perverso. À medida que têm prazer em jejuar, engrandecendo o ego pela sórdida esbelteza de produção, desfilando arrogantemente sobre as suas homorrivais (competidoras congêneres), sofrem pela magreza biológica e a pobreza anímica.
Alguns modistas têm procurado quebrar esse sistema maldito. O tamanho zero cresceu ultimamente na moda da Europa.

Em Londres, modelos já percorrem a passarela mastigando fritas e tomando vinho tinto. Madri já proibiu a presença em suas passarelas das imagens de garotas que encorajariam as desordens alimentares entre jovens. Desde há 3 – 4 anos atrás, Milão deu início à sua edição para o inverno com gordinhas incluídas em seus desfiles.

A fruição de um corpo saudável é importante, especialmente pela possibilidade de aprimorar a qualidade da vida. A silhueta mais esbelta, entretanto, nem sempre revela a boa saúde da pessoa, bem como não tem cabimento alguns obesos e lasseiros se defenderem com o desdém pela boa forma.

Na literatura médica, a primeira descrição da anorexia nervosa foi feita no século XVII, pelo inglês Richard Morton. Ele descreveu uma paciente, miss Duke, como “um esqueleto apenas coberto de pele”. O exagero no emagrecimento quebra a satisfação de perder peso, aproximando a pessoa dessa morbidez cadavérica, distanciando-a do erotismo bem nutrido e sadio.

Na edição dominical do Correio, estamos habituados a ler Metrópole, revista interessante, bem feita e de manifesto bom gosto. Na sua recente publicação do dia 02, há belas páginas decoradas por modelos plus size.
Além das cheinhas, precisamos decorar as passarelas e a mídia em geral de mulheres maduras desfilando e posando.

Daphne Selfe, considerada uma das mulheres mais bonitas do mundo, tem 83 anos e continua a fazer produções de moda e desfiles. Em novembro passado, ela foi alvo de intensa divulgação, especialmente na internet.
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* Médico psiquiatra, psicoterapeuta e sexólogo. 
Fonte:  http://correio.rac.com.br/_conteudo/2012/12/colunistas/joaquim_motta/arquivos/15585-prazer-e-esbelteza.html
Imagem da Internet

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