Marcelo Gleiser*
Como simular o passado num acelerador? Basta lembrar da infância quente e densa do nosso Universo
A cosmologia apresenta um problema de ordem prática um tanto complicado:
fica difícil fazer experiências com outros universos no laboratório.
Temos o nosso único exemplo e basta. O jeito é estudar as suas
propriedades -os tipos de matéria que existem nele, a sua temperatura, o
seu tamanho, a sua história- e tentar criar explicações plausíveis que
as justifiquem.
Alguns físicos chegaram até a especular se seria possível criar um
miniuniverso no laboratório. Infelizmente, isso não parece viável.
Universos como o nosso, que têm um momento de origem, carregam com eles a
marca do seu passado no que chamamos de "singularidade", em que o tempo
começa (o t=0 do relógio cósmico) e o espaço é um ponto de volume zero.
O problema é que, como as leis da física deixam de fazer sentido na
singularidade, não sabemos como lidar com ela. Temos de nos contentar
com o nosso único Cosmo, estudando-o da melhor forma possível.
Existem duas formas de estudar as propriedades do Universo: recolhendo
informação diretamente, pela observação dos objetos que podemos detectar
(estrelas, galáxias, buracos negros), e simulando tais propriedades no
laboratório.
Não podemos criar universos na bancada, mas podemos recriar partes da
história cósmica. Esses "laboratórios" são de dois tipos: colisores de
partículas, como o europeu LHC (Grande Colisor de Hádrons), na Suíça,
onde foi descoberto o bóson de Higgs em julho, e simulações em
computadores.
Como simular o passado cósmico num acelerador de partículas? Basta
lembrar que, segundo o modelo do Big Bang, nosso Universo teve uma
infância muito quente e densa, em que a matéria que hoje constitui
galáxias, planetas e pessoas estava ainda separada em seus componentes
mais fundamentais: elétrons e quarks. (Quarks são os integrantes dos
prótons e nêutrons.)
Isso porque as ligações entre as partículas de matéria só ocorrem quando
não existem forças capazes de separá-las. No passado cósmico, o calor
era tão intenso, e a densidade de partículas tão grande (feito um trem
da Central do Brasil no final da tarde), que era impossível, que quarks
se juntassem para formar um próton, ou que prótons e elétrons se
juntassem para formar um átomo de hidrogênio.
Prótons só se formam em torno de um milionésimo de segundo após o
"bang", enquanto átomos só se formam 400 mil anos após o "bang".
Quando cientistas do LHC colidem prótons contra prótons (ou átomos)
viajando perto da velocidade da luz, as energias das colisões são tão
intensas que reproduzem, por frações de segundo, condições semelhantes
às que existiam quando o Cosmo tinha apenas milionésimos de segundo de
existência.
Com isso, os físicos viajam ao passado e estudam a infância cósmica de
forma controlada. Resultados recentes mostram que algumas partículas que
escapam da região da colisão viajando em sentidos opostos mantêm uma
estranha ligação entre si: fazem caminhos iguais, como se uma soubesse
da outra.
Esse efeito, talvez o emaranhamento da física atômica, não havia sido
visto ainda nas colisões de partículas. Ao estudarmos a Natureza com
novas ferramentas, o inusitado parece ser inevitável.
-----------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário