CECÍLIO ELIAS NETTO*
Tenho, felizmente, conseguido penetrar, um pouquinho, no
espírito de fábulas, de lendas, de mitos. E descubro verdades humanas
ocultas no que aparenta ser apenas histórias banais. A expulsão de Eva e
Adão do Paraíso — por terem provado do fruto da Árvore do Conhecimento —
nunca, como agora, me parece advertência sábia para as tolices humanas.
O conhecimento seria um bem ou um mal? E a ignorância, bênção, castigo,
maléfica, benéfica?
A mais sacrificada das aventuras humanas é a da busca do conhecimento. Trata-se de uma derrota anunciada desde o início. Mas teima-se em vivê-la. Quem pensa saber muito não sabe nada. Seriam, então, os que nada sabem os que mais sabem? Aquela reflexão socrática — “eu sei que nada sei” — não é simples humildade, mas confissão de derrota, de impossibilidade. O conhecimento, pois, é o desafio em direção ao impossível. Por mais que se saiba algo de algo, não se sabe quase nada dele. A “douta ignorância” é, de certa forma, ter consciência disso: reconhecer que não sabe.
Na busca do conhecimento, a tragédia do homem, penso eu, está em descobrir a impossibilidade de saber tudo. Isso angustia, martiriza, deprime. Pois saber de ou poucas coisas nos leva a viver em corda bamba, no sofrimento do nada, na incerteza, na insegurança. O pouco que se sabe basta para cansar e desanimar. O conhecimento tem a capacidade de, sendo uma potência, tornar impotente o ser humano, levando-o a descobrir os seus verdadeiros limites. É impossível conhecer tudo de alguma coisa. E é torturante saber quase nada do muito.
Adão e Eva eram, no mito, felizes na ignorância, usufruindo dos bens e das maravilhas da vida sem precisar de explicações. Quando quiseram saber — provando do fruto do conhecimento — perderam a inocência, que tem parentesco com a ignorância. Não seria, o mito do Éden, uma silenciosa advertência para outra forma de sabedoria? “Não queiram saber, meus filhos, pois, se ou quando souberem algo, a limpeza da alma estará manchada.” — não poderia ser essa a generosa orientação de quem inventou tudo isso?
“De tanto pensar, morreu um burro.” — diz a sabedoria popular. Talvez, para dizer o mesmo, aqueles três macaquinhos japoneses tapam os olhos, a boca, os ouvidos. Diante do mal, não querem falar, não querem ouvir e nem ver. É como, pois, se — por não ser visto, nem falado, nem ouvido — o mal não existisse ou desaparecesse. Assemelha-se à convicção de certa escola filosófica que, em resumo, diz: “aquilo que eu não sei não existe.” Logo, uma apologia da ignorância. E o formidável disso está no fato de esse “não-saber” atrelar-se, também, à inocência.
O inocente é o in-ciente, sem ciência, sem conhecimento. E que dizer do ingênuo, no sentido verdadeiro de sua liberdade, de pureza, de nobreza, como sabiam os latinos da Antiguidade? Ingênuos, ignorantes, inocentes fazem parte de uma mesma família. Talvez, mais feliz.
Meu pai — em seu final de vida, ainda lúcido e forte — ficava silencioso nas reuniões familiares. Perguntei-lhe, um dia, do porquê de ele não participar das conversas, das discussões. Ele apenas respondeu: “Para quê? Vocês sabem tudo.” Havia, naquilo, uma lição profunda que, infelizmente, não aprendemos à época: ele sabia que não sabia; nós não sabíamos que não sabíamos.
Em cada tempo, a ciência explica o como das coisas. A filosofia e as artes tentam revelar o porquê delas. A ciência, pois, é o universo dos que sabem alguma coisa. Ou que pensam saber. A filosofia e as artes são o universo dos que, sem precisar de grandes explicações, criam, inventam. É como se fosse um campo apropriado aos ignorantes, aos ingênuos, aos inocentes, no sentido de não terem ciência. Arrisco-me a dizer que a ciência conhece algo, enquanto a filosofia e a arte desconhecem.
Venho tentando ver a ignorância como bênção diante do meu fracasso na luta pelo conhecimento. Por quê, para quê, a troco de quê tanto estudei, tanto li, tanto escrevi por toda uma vida, em busca do saber? O pouco que aprendi apenas me valeu para ver-me diante do infinito e dar-me conta de minha ínfima finitude. Eu era mais feliz quando acreditava em São Jorge, na Lua, lutando contra o dragão, do que agora, sabendo que o homem anda por lá. A ciência descobriu a Lua, mas roubou o encantamento dela.
Um homem foi preso, nos Estados Unidos, por estar ensinando as crianças que Papai Noel não existe. Ele deveria ser condenado por violentação da inocência, por roubo de sonhos. É isso que estou querendo dizer: o conhecimento é ladrão de sonhos. E a ignorância é a mãe que faz sonhar. Se conhecer pouco não serve para nada, nada conhecer leva a sonhar. Cadê meus sonhos?
A mais sacrificada das aventuras humanas é a da busca do conhecimento. Trata-se de uma derrota anunciada desde o início. Mas teima-se em vivê-la. Quem pensa saber muito não sabe nada. Seriam, então, os que nada sabem os que mais sabem? Aquela reflexão socrática — “eu sei que nada sei” — não é simples humildade, mas confissão de derrota, de impossibilidade. O conhecimento, pois, é o desafio em direção ao impossível. Por mais que se saiba algo de algo, não se sabe quase nada dele. A “douta ignorância” é, de certa forma, ter consciência disso: reconhecer que não sabe.
Na busca do conhecimento, a tragédia do homem, penso eu, está em descobrir a impossibilidade de saber tudo. Isso angustia, martiriza, deprime. Pois saber de ou poucas coisas nos leva a viver em corda bamba, no sofrimento do nada, na incerteza, na insegurança. O pouco que se sabe basta para cansar e desanimar. O conhecimento tem a capacidade de, sendo uma potência, tornar impotente o ser humano, levando-o a descobrir os seus verdadeiros limites. É impossível conhecer tudo de alguma coisa. E é torturante saber quase nada do muito.
Adão e Eva eram, no mito, felizes na ignorância, usufruindo dos bens e das maravilhas da vida sem precisar de explicações. Quando quiseram saber — provando do fruto do conhecimento — perderam a inocência, que tem parentesco com a ignorância. Não seria, o mito do Éden, uma silenciosa advertência para outra forma de sabedoria? “Não queiram saber, meus filhos, pois, se ou quando souberem algo, a limpeza da alma estará manchada.” — não poderia ser essa a generosa orientação de quem inventou tudo isso?
“De tanto pensar, morreu um burro.” — diz a sabedoria popular. Talvez, para dizer o mesmo, aqueles três macaquinhos japoneses tapam os olhos, a boca, os ouvidos. Diante do mal, não querem falar, não querem ouvir e nem ver. É como, pois, se — por não ser visto, nem falado, nem ouvido — o mal não existisse ou desaparecesse. Assemelha-se à convicção de certa escola filosófica que, em resumo, diz: “aquilo que eu não sei não existe.” Logo, uma apologia da ignorância. E o formidável disso está no fato de esse “não-saber” atrelar-se, também, à inocência.
O inocente é o in-ciente, sem ciência, sem conhecimento. E que dizer do ingênuo, no sentido verdadeiro de sua liberdade, de pureza, de nobreza, como sabiam os latinos da Antiguidade? Ingênuos, ignorantes, inocentes fazem parte de uma mesma família. Talvez, mais feliz.
Meu pai — em seu final de vida, ainda lúcido e forte — ficava silencioso nas reuniões familiares. Perguntei-lhe, um dia, do porquê de ele não participar das conversas, das discussões. Ele apenas respondeu: “Para quê? Vocês sabem tudo.” Havia, naquilo, uma lição profunda que, infelizmente, não aprendemos à época: ele sabia que não sabia; nós não sabíamos que não sabíamos.
Em cada tempo, a ciência explica o como das coisas. A filosofia e as artes tentam revelar o porquê delas. A ciência, pois, é o universo dos que sabem alguma coisa. Ou que pensam saber. A filosofia e as artes são o universo dos que, sem precisar de grandes explicações, criam, inventam. É como se fosse um campo apropriado aos ignorantes, aos ingênuos, aos inocentes, no sentido de não terem ciência. Arrisco-me a dizer que a ciência conhece algo, enquanto a filosofia e a arte desconhecem.
Venho tentando ver a ignorância como bênção diante do meu fracasso na luta pelo conhecimento. Por quê, para quê, a troco de quê tanto estudei, tanto li, tanto escrevi por toda uma vida, em busca do saber? O pouco que aprendi apenas me valeu para ver-me diante do infinito e dar-me conta de minha ínfima finitude. Eu era mais feliz quando acreditava em São Jorge, na Lua, lutando contra o dragão, do que agora, sabendo que o homem anda por lá. A ciência descobriu a Lua, mas roubou o encantamento dela.
Um homem foi preso, nos Estados Unidos, por estar ensinando as crianças que Papai Noel não existe. Ele deveria ser condenado por violentação da inocência, por roubo de sonhos. É isso que estou querendo dizer: o conhecimento é ladrão de sonhos. E a ignorância é a mãe que faz sonhar. Se conhecer pouco não serve para nada, nada conhecer leva a sonhar. Cadê meus sonhos?
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* Escritor. Colunista do Correio Popular.
Fonte: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2012/11/
Imagem da Internet
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