Luiz Felipe Pondé*
Esperamos, com a boca escancarada e cheia de dentes, a morte chegar. Mas bem saudáveis
Recentemente soube que alguns países querem endurecer ainda mais as leis
antifumo: não pode fumar no carro, para fumar tem que ter uma
carteirinha, quem nasceu a partir do ano 2000 não pode comprar tabaco.
Esperamos, com a boca escancarada e cheia de dentes, a morte chegar.
Mas, bem saudáveis. Hoje em dia, Raul Seixas vomitaria na plateia.
A "qualidade de vida" é uma das novas formas de puritanismo, sendo o
feminismo uma outra (o feminismo é a nova repressão da sexualidade).
A felicidade e o bem-estar são as chaves da vida contemporânea. Vale tudo para ser feliz.
Qualquer discussão moral é pura afetação ética. Uma época dominada pela
felicidade é uma época boba. Mas não estou sozinho nesta sensação:
Aldous Huxley, escritor inglês, pensava a mesma coisa.
Quando olhamos para a história da ética, vemos que o utilitarismo inglês
é o modo dominante da vida contemporânea. Para mim, pessoa um tanto
desconfiada de quem passa a vida querendo ser feliz, isso tudo parece
"limpinho" como um hospital. Jeremy Bentham (1748-1832), pai do
utilitarismo, chegou mesmo a pensar num cálculo utilitário para otimizar
a felicidade.
O principio utilitário afirma que o homem foge da dor e busca o prazer
(o bem-estar). Logo, devemos fazer uma sociedade que vise produzir em
larga escala a felicidade, o prazer e o bem-estar. E chegamos ao nosso
mundo de gente que sonha em ficar com a boca escancarada, cheia de
dentes, esperando a morte chegar, mas com saúde. A vida e a sociedade
dominadas pela busca do bem-estar parecem tornar o homem menos homem.
O cálculo utilitário tem seis passos:
1. Intensidade: o prazer dever ser o mais intenso possível.
2. Duração: o prazer deve durar o máximo de tempo possível.
3. Certeza: cuidado para não produzir um prazer que não é o que você deseja com aquele ato.
4. "Remoticidade" (remoteness): o prazer deve causar efeito imediato ou o mais rápido possível.
5. Fecundidade: o prazer A deve gerar o prazer A1, o A2 e assim por diante.
6. Pureza: cuidado para não gerar desprazer ao invés de prazer.
1. Intensidade: o prazer dever ser o mais intenso possível.
2. Duração: o prazer deve durar o máximo de tempo possível.
3. Certeza: cuidado para não produzir um prazer que não é o que você deseja com aquele ato.
4. "Remoticidade" (remoteness): o prazer deve causar efeito imediato ou o mais rápido possível.
5. Fecundidade: o prazer A deve gerar o prazer A1, o A2 e assim por diante.
6. Pureza: cuidado para não gerar desprazer ao invés de prazer.
Será que você já não põe isso mais ou menos em prática do seu dia a dia?
Mas, dirão alguns, Bentham era um controlador, porque ele sempre
pensava em termos de um centro (expert) controlando a periferia (as
pessoas comuns).
Bentham ficará conhecido como o utilitarista antidemocrático, sendo John
Stuart Mill (1806-1873) o utilitarista democrático. De acordo com este,
maior representante da segunda geração de utilitaristas, a sociedade
(os indivíduos) deve livremente buscar esse prazer.
Mas o que percebemos é que, ainda que Mill falasse muito em liberdade e
contra o abuso de poder (cara simpático para a moçada que gosta de falar
coisa bonitinha, tipo Obama), não adianta acusar o "centro do poder" de
controlador, porque são as próprias pessoas que querem os seis passos
para a felicidade de Bentham.
Isso cria o efeito de esmagamento típico do puritanismo de massa em que
vivemos: saúde e felicidade. Fizéssemos um plebiscito, quase todo mundo
escolheria uma gaiola feliz.
"Comunidade, identidade, estabilidade." O bem é sempre para todos, a
identidade é o que nos une, a vida deve ser estável. Slogan que venderia
bem no mundo para o qual seguimos a passos largos com esse utilitarismo
social em que vivemos, com um controle cada vez maior dos gestos, do
pensamento e dos hábitos em nome da "comunidade, identidade,
estabilidade".
Esse era o slogan do mundo perfeito que Huxley criticou em seu
"Admirável Mundo Novo" (1932), mas podia ser o de qualquer um dos
proponentes bonitinhos do controle político da vida em nome do bem.
Louis Pojman, professor de filosofia da Academia Militar de West Point (EUA), chama isso de "tragédia da liberdade".
Toda liberdade pressupõe riscos, e toda sociedade pautada pela
felicidade social não suporta a liberdade. Estamos caminhando a passos
largos para uma dessas.
Toda a cultura intelectual está infestada de amor à felicidade social e
de ódio ao indivíduo.
O pesadelo totalitário não passou. Agora ele vem
sob o disfarce da opinião pública e da vontade coletiva.
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* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista da Folha
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