sábado, 20 de julho de 2013

A hora e vez de Francisco?

Cecílio Elias Netto*
 
 "Em nossa era, o mundo emudeceu. 
Ouve-se apenas o tilintar do dinheiro. 
Os donos do mercado não falam, agem. 
É uma sociedade anônima. 
Sabemos que existe, sem conhecer quem a dirige."
Uma única voz — desde que ressoe com força e honestidade — pode mudar situações, estruturas e até mesmo nações. A lenda de Hans Cristian Andersen sobre o “Rei Nu” deve ser lembrada especialmente nessa nossa era de mistificações e farsas. Nela, o rei foi enganado pelo bandido que lhe prometera vestes suntuosas, ricas. Não havia veste alguma. Mas o rei e sua corte — para não darem atestado de tolos — acreditaram na farsa. E lá se foi o rei pelas ruas, nu, em pelo. E o povo aplaudiu, cego diante da realidade e cegado pela força do poder. Foi quando um garotinho gritou: “O rei está nu”.

Ora, estamos num tempo de reis nus, vestidos apenas de farsas. Os beneficiados fingem acreditar nas vestes imaginárias dos reis. Esse servilismo milenar fortalece todas as formas de tiranias. E elas se impõem, fortalecem-se e — por ironia histórica — se afogam em suas próprias arrogâncias e certeza de impunidades. É quando surgem insatisfações a princípio tímidas, mas que, a pouco e pouco, se avolumam. Está, então, pronto o terreno para que uma voz transformadora se faça ouvir. São vozes providenciais. Mas nem sempre benéficas.

A insatisfação na Rússia, na Itália e na Alemanha permitiram fossem ouvidas as vozes de Lênin, de Mussolini, de Stalin. Eram cruéis mas sinceras. E o caos foi substituído por tiranias sangrentas. Por outro lado, vozes magníficas, confiáveis se levantaram propondo a revolução do bem: Churchill, na Inglaterra; De Gaulle, na França; Gandhi, na Índia; Mandela, no continente africano; Martin Luther King, nos Estados Unidos. Eles foram ouvidos.

Em nossa era, o mundo emudeceu. Ouve-se apenas o tilintar do dinheiro. Os donos do mercado não falam, agem. É uma sociedade anônima. Sabemos que existe, sem conhecer quem a dirige. Vozes que se ouvem são as dos murmúrios de inquietação, de insatisfação, de perplexidade, de aturdimento. O homem contemporâneo não sabe para onde vai e, pior ainda, desconhece até mesmo a razão de estar vivendo. Tornou-se um robô humano ao nível de robôs eletrônicos. Não mais pensa por si mesmo, pois tudo já é pensado para ele.

No mar de murmúrios e no silêncio submisso, houve uma nesga de esperança: Barack Obama. Mas ele, como um rei de baralho, se desmanchou. Confirmou-se a sabedoria latina: “corruptio optimi péssima”. A degeneração do ótimo é péssima. Pois causa desânimo, revolta, indignação. A manada fica sem comando. E o rebanho, sem pastor.

A crise do mundo é, ainda, de ordem moral. Estamos próximos do centenário da Primeira Grande Guerra. Foi quando tudo começou, embora pareça esquecido. Aquela guerra brutal destruiu, de vez, alguns dos principais pilares da civilização ocidental. Sobraram, apenas, poucos referenciais que, ao longo do século passado, foram corroídos. O mundo ocidental escolheu o suicídio. E ele chegou com a desumanização do próprio homem e, portanto, com a brutalização das sociedades.

O desenvolvimento da ciência e o domínio da economia não conseguiram substituir a morte da alma e o desfalecimento do espírito. À ciência e à tecnologia, faltaram as humanidades. Criaram-se feitos maravilhosos, mas sem alma. Tornamo-nos vítimas da desolação da existência técnica. Em todo mundo — por força da preponderância dos meios de comunicação — a cultura pública prima pela ausência de transcendência. É o vazio dramático do individualismo enfermo. E o homem está à espera de ser convidado à experiência da novidade.

Uma voz começa a ser ouvida ainda sutilmente. É a de Francisco, Papa da cristandade católica. É um homem que causa espantos, um sopro do novo numa instituição que aparentava estar velha. Sua razão jesuítica casou-se com o coração franciscano. E, dessa simbiose, nasceu uma liderança ao mesmo tempo rígida — para varrer o lixo — e generosa, para acolher os pequeninos. Ele já enfrenta os poderosos, sem pretender confrontá-los. E já conclama a cristandade dividida para uma comunhão em torno do principal.

Seria a vez e a hora de Francisco? Tomara, pois o mundo quer um farol orientador. O uso de camisinha, divórcio, celibato dos padres, ordenação de mulheres — essas não são questões-chave da Igreja. A grande e fundamental questão é a fraternidade entre os homens. Para Francisco, o “reino dos céus” parece distante. Para ele, o urgente é clamar ao Pai que “venha a nós o Vosso Reino”. Ser feliz já e agora, eis a voz de Francisco.

Ora, a juventude mundial clama por reformas e revoluções. O que pode ser — num mundo materialista — mais revolucionário do que a proposta cristã? Francisco é a voz convidando para a experiência da novidade, essa do cristianismo renascido.
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*  Cecílio Elias Netto, nasceu em 24 de junho de 1940, é jornalista e escritor. Com dezoito anos já estudava alemão, francês, inglês, espanhol e italiano, sempre visando a diplomacia que exigia um grande domínio de línguas estrangeiras. Mesmo estudando para direito, o trabalho como jornalista começou cedo, aos 16 anos, como auxiliar de revisor no “Jornal de Piracicaba”.  É autor do livro  'Arco, Tarco, Verva',  volume 1 e 2.
Fonte: Correio Popular on line, 20/07/2013
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