quinta-feira, 25 de julho de 2013

Análise: Nada de Che Guevara, mas sim São Francisco

LUIZ FELIPE PONDÉ*

 

A Igreja Católica contempla a eternidade. Algo estranho pra modernos porque para nós não existe outra eternidade a não a do nosso desejo de realização infinita: sonhos, projetos, direitos, sucessos. Demandamos respostas na velocidade de aviões a jato e iphones, e com o stress de quem anda na marginal Pinheiros. 

Quando você contempla a eternidade, o tempo é outro, as urgências se dissolvem, as mudanças cedem lugar as rotinas e tradições. Do nosso ponto de vista, a lentidão toma o lugar do tempo pautado pela pressa. Nós vivemos em segundos, a igreja em milênios. 

Mas nem por isso a igreja deixa de estar inserida no mundo do tempo, e, portanto, ela tem que responder as demandas no tempo histórico, isto é, um tempo de jatos, iphones e estressados. A eleição do papa Francisco responde a uma das principais demandas atuais feitas a Igreja: deixar de ter apenas papas europeus. 

Mesmo uma instituição que crê no seu "corpo místico" --aquele eterno-- deve responder ao tempo dos homens e mulheres, no mínimo porque estes homens e mulheres é que sustentam esta "eternidade no mundo". Escolher um papa latino americano foi uma boa resposta ao mercado religioso atual, muito competitivo.

Não fosse pelos EUA, o cristianismo seria hoje quase que exclusivamente uma religião de pobres. A Europa cristã é quase peça de museu. 

Francisco é um papa que vem dali onde vive a maioria dos católicos. Isso os ajuda a sentir que a hierarquia do Vaticano olhou pra fora de suas janelas romanas chiques. O olhar para os pobres, que vai ao encontro de uma teologia católica cozida em países com miseráveis até o pescoço, não implica recaída numa igreja pré-João Paulo 2º e Bento 16, e a recusa do marxismo como parceiro de Jesus. Nada de Che Guevara, mas de São Francisco. 

Opção pelo sofrimento dos mais fracos é tão clássico no cristianismo quanto os evangelhos. Francisco é um conservador que não tem medo de dizer o que precisa ser dito: cristianismo sem empatia com a dor de muitos é um cristianismo inócuo. 
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* Filósofo. Escritor. Prof. Universitário. Colunista da Folha.
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/25
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