Teóloga Maria Clara Bingemer faz uma análise da passagem do pontífice na JMJ
Desde o momento em que pisou no solo brasileiro, Papa
Francisco deixou evidente para o mundo o perfil do papado, não
permitindo que protocolos interfiram no que ele mais preza como líder
mundial da Igreja
Católica: estar perto dos fiéis. Em sua primeira viagem internacional,
Jorge Bergoglio surpreendeu jovens e adultos de todas as religiões com
atitudes simples, discursos diretos e firmes, gestos sinceros e,
principalmente, a quebra de regras oficiais para estar tão próximo ao
seu “rebanho” a ponto de tocá-lo, o que para muitos católicos
representou um “verdadeiro milagre”.
A coerência
naquilo que prega e pratica no cotidiano é uma marca de Bergoglio desde o
tempo em que era cardeal em Buenos Aires. A sua passagem pelo Brasil
despertou nos religiosos e teólogos o sentimento que antes se
distanciava do mundo, o da certeza que a Igreja Católica conseguirá
reconquistar os fiéis
de se “desgarraram” ao longo dos últimos anos. Papa Francisco chegou à
Santa Sé com uma missão que parecia complicada, mas a sua visita ao
Brasil mudou os pensamentos dos mais incrédulos e a Igreja Católica sai
da Jornada Mundial da Juventude com um saldo positivo e animador, apesar
de tantos “tropeços” provocados pelo não cumprimento de um protocolo
estabelecido pelo Vaticano.
A teóloga Maria Clara Bingemer é autora do livro O Mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempos de descrença,
que avalia a crise das religiões provocadas por mudanças culturais em
todo mundo. Ela avalia pontos importantes da visita do Papa Francisco ao
Brasil na entrevista que concedeu ao Jornal do Brasil:
Jornal
do Brasil – Vaticano passa atualmente por profundas transformações. A
senhora acha que o Papa Francisco chegou à Santa Sé para mudar, de
imediato, a imagem da Igreja Católica?
Maria Clara Bingemer - Acho
que isto é um fato que ninguém pode negar. O Papa Francisco mudou a
imagem da igreja em dias, já pouco depois de sua eleição. Instaurou um
estilo mais casual, mais próximo, mais pessoal, que fala muito mais ao
coração das pessoas. Com os jovens então é surpreendente o sucesso de
sua comunicação. A gente sente que os jovens entendem o que ele fala,
sintonizam com seu estilo de ser e de atuar. Acredito que isso pode ter
uma influência benéfica para o futuro imediato da Igreja Católica, que
perdeu tantos fiéis. Sobretudo, o que acho melhor de tudo é a
insistência dele em uma igreja mais pró-ativa, que não fique trancada na
sacristia, que saia para a rua e vá ao encontro das pessoas. Sua
declaração em um dos discursos no Rio: "quiero lío en las diocesis...”.
Ou seja, "quero agito nas dioceses...". É original e fantástica para
animar o espírito missionário.
Jornal do Brasil – Pelo pouco
tempo de pontificado, dá para arriscar como será a postura do Papa
Francisco na missão de mudar o Vaticano?
Maria Clara Bingemer
- Acho que dá para avaliar que ele fará uma reforma séria e não
superficial, só para constar. Creio, porém, que não devemos nos iludir.
Há pontos muito difíceis de serem modificados e mexer. Há muita gente a
quem não interessa muito que as coisas sejam mudadas ou reformadas. Mas
ele tem demonstrado que as coisas que acha que devem ser feitas, ele as
fará. Por isso, acredito que uma boa parte das coisas será feita.
Jornal
do Brasil - Os teólogos criaram uma expectativa enorme com a vista do
Papa, inclusive prevendo muitas surpresas. E o Papa realmente chegou
quebrando protocolo, esbanjando simplicidade, criando polêmicas.
Daquelas expectativas dos teólogos, o que se confirmou e o que mudou com
a passagem do Papa Francisco pelo Rio?
Maria Clara Bingemer-
Para os teólogos realmente a impressão é das melhores. Até este
momento ele só tem dado mostras que quer voltar à boa teologia do
Vaticano, que estava muito esquecida nos pontificados anteriores. Ele
tem uma visão de igreja muito positiva, realmente igreja como povo de
Deus e não piramidal, sociedade perfeita. Além disso, tem reabilitado
muito a teologia da libertação, com a ênfase que está dando à justiça
social e à opção pelos pobres.
Jornal do Brasil - Vendo de
tão perto, aqui do Brasil, qual a imagem do Papa Francisco que deve
ficar para os católicos brasileiros, turistas no Rio e para o mundo,
considerando que esta é a primeira viagem internacional do pontífice?
Maria
Clara Bingemer- Fica um perfil de carinho, proximidade, simpatia.
Gestos diretos, de proximidade, simplicidade. E um discurso claro,
inteligível, ressaltando todo este aspecto missionário
da igreja, que tem que sair e ir até as pessoas. Os católicos
brasileiros estão agora com orgulho de ser católicos e sem medo de
demonstrá-lo e apregoá-lo aos quatro ventos.
Jornal do Brasil – E considerando que esse fato histórico aconteceu na Jornada Mundial da Juventude, qual a mensagem que a Papa deixou para os jovens de todas as nacionalidades?
Maria
Clara Bingemer - Para os jovens fica uma mensagem de esperança, de
encorajamento para assumir com coragem sua missão de testemunhas do
evangelho. E um alerta contra os ídolos que lhes esvaziam o sentido da
vida e os mercadores da morte, que lhes oferecem as substâncias químicas
que os matam.
Jornal do Brasil – A quebra de protocolo
surpreendeu. O que esse fato pode representar na comunicação do Papa com
a comunidade católica no mundo e as expectativas que ficam para as
próximas viagens a outros países. Ele deve manter essa postura em outros
lugares?
Maria Clara Bingemer - Isso eu acho que é o melhor
dele. Esse dom de surpreender todo mundo com simplicidade, gentileza,
amabilidade, simpatia e alegria. E algo que eu acho que ele não deixará
de fazer, que aliás eu espero que ele não deixe de fazer. Porque dá uma
nova imagem ao papado e a igreja católica. Vai ser muito importante
nestas viagens que ele fará pelo mundo.
Jornal do Brasil – No
seu último livro, “O mistério e o mundo”, a senhora avalia de alguma
forma a missão do Papa e a nova Igreja Católica?
Maria Clara
Bingemer - Neste livro eu não analiso a missão do Papa. Faço sim, uma
analise da situação da religião e do Cristianismo nesta sociedade
secularizada e plural. E justamente constato que o Cristianismo e a
religião, em geral, foram perdendo espaço. Mas ao mesmo tempo, a sede de
Deus não desapareceu do coração humano e os místicos contemporâneos são
uma prova disso, com suas experiências de união com o mistério divino
que gera atitudes éticas, transformadoras, impressionantes e profundas,
ainda que não dentro dos moldes normalmente oficializados pela
instituição.
Jornal do Brasil - Pelos discursos do Papa no Rio, nos eventos da JMJ, o que podemos esperar de seu governo no Vaticano?
Maria
Clara Bingemer - Penso que ele vai se esforçar para, além das reformas
internas, reforçar esse novo rosto externo do Vaticano e da igreja. Vai
relativizar tudo que é burocrático, institucional rígido, fora de moda e
afastado da vida real das pessoas, para mostrar que o evangelho é
libertador. Vai insistir na simplicidade e no despojamento como sinais
reais que devem revestir àqueles que são testemunhas de Jesus Cristo no
mundo de hoje.
Jornal do Brasil – E as manifestações populares
e até atos que vandalismo que ocorreram pelas ruas do Rio de Janeiro
enquanto o Papa Francisco visitava a cidade, de alguma forma
atrapalharam a participação dele na JMJ?
Maria Clara Bingemer
- Penso que as especulações de alguns de que as manifestações tinham o
objetivo de desestabilizar a visita do papa não procedem. Acho que o
papa aprovaria muito as manifestações e suas revindicações. Não
certamente os atos de vandalismo e violência. Depois da missa em
Copacabana, foi bonito ver manifestantes e peregrinos confraternizando e
estando juntos de certa maneira. No fundo, lutam por um mundo melhor e
este sempre foi uma das vertentes mais fundamentais do evangelho.
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Reportagem por Claudia Freitas
Fonte: Jornal do Brasil, 28/07/2013
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