Durante quase duas horas, o jesuíta falou sobre o papel das universidades jesuítas na contemporaneidade.
Adolfo Nicolás (foto) é espanhol e ingressou na Companhia de Jesus, em 1953. Tem um jeito discreto de ser e agir. Vestido todo de preto e com um discurso impresso em português, Nicolás
se desculpou por não falar o idioma do Brasil e pelo seu sotaque
espanhol antes de iniciar seu discurso. Durante sua fala, o Superior
Geral chamou atenção, entre outros aspectos, para o papel da
universidade em uma sociedade tecnocientífica, para os desafios da
formação humanística e para a importância do diálogo inter-religioso. A
apresentação intitulada A colaboração de jesuítas e leigos nas
universidades confiadas à Companhia de Jesus: o diálogo entre o
humanismo evangélico e o humanismo tecnocientífico ocorreu no final da tarde da quarta-feira, 18-07-2013, no saguão da Biblioteca da Unisinos, em São Leopoldo.
Nicolás cursou Teologia em Tókio, onde se ordenou sacerdote em 1967.
Em seguida estudou Semiologia na Pontifícia Universidade Gregoriana –
PUG, concluindo os estudos em 1971. Foi professor de Teologia dos Sacramentos na Universidade de Sofia, em Tóquio, entre 1971 e 2002. No ano de 1993 foi superior provincial da Província da Companhia de Jesus no Japão,
cargo que ocupou até a 1999. A partir de 2004 foi o responsável pela
Conferência dos Provinciais da Ásia Oriental e Oceania até 2007. Desde
2008 é o Superior Geral da Companhia de Jesus.
Na tarde de ontem, Adolfo Nicolás, Superior Geral da Companhia de Jesus, visitou o Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Ele veio acompanhado por seu assistente, Pe. Marcos Recolóns, pelo Superior Provincial e pelo Reitor da Unisinos, Pe. Marcelo Fernandes de Aquino. No momento da visita, não prevista, realizava-se uma reunião do IHU com os/as colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – Cepat e com Cesar Sanson, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiros estratégicos do IHU.
A síntese da conferência, publicada a seguir, é de Ricardo Machado, jornalista do IHU.
O primeiro ponto que Adolfo Nicolás chamou atenção
foi para a integração entre jesuítas e leigos, principalmente tendo em
conta que os arranjos atuais das universidades da Companhia de Jesus são
muito distintos de 60 anos atrás – quando, proporcionalmente, o número
de leigos era menor ao de jesuítas. Ele sustentou que este trabalho deve
servir ao pensamento integrado entre os religiosos e não religiosos, no
sentido de enfrentar os desafios oriundos da sociedade de tecnologias
imediatas. “Compartilho a firme conexão de que é a experiência de
colaboração que molda nossa identidade”, avalia Nicolás.
Dentro dessa reflexão, o Superior elencou três eixos que devem ser
levados em conta no trabalho dentro da universidade. O primeiro está
relacionado à aceitação da pluralidade; o segundo está relacionado à
formação de uma comunidade entre religiosos e leigos e que aprendam a
conviver juntos; por fim, está relacionado a que estes participem da
mesma missão. “De nossa parte, dos jesuítas, colocamos à disposição o
que somos, nossa experiência espiritual, nossos recursos educacionais.”
Experiência inter-religiosa
O Superior chamou atenção para o trabalho realizado no Japão
juntamente com budistas, agnósticos e ateus. Segundo ele, alguns
colaboradores budistas entravam mais fundo na missão da educação que os
próprios jesuítas. Ao melhor estilo dos orientais, que se valem de
metáforas para propagar seus ensinamentos, Nicolás intercalou seu discurso “oficial” a histórias, como forma de ilustrar seu pensamento.
Assim, ele contou que havia na universidade um jovem professor
budista que questionava muito uma capela construída no campus.
Entretanto, algum tempo depois outro professor budista, este mais velho e
experiente, fora ao local e disse ao colega que ele não havia entendido
coisa alguma, pois naquele colégio tudo era uma capela. “Isso foi uma
lição para todos nós. Um budista deu a melhor explicação sobre o que é a
educação jesuíta”, conta Nicolás.
“Não é a missão dos
jesuítas, mas a missão de Deus. Antigamente falávamos que os leigos
estavam fora
e que a missão era do clero.
Hoje, até o papa diz
que a
missão de Deus é de todos e
todos somos colaboradores em transformar
a
realidade e o mundo”
Missão de Deus
Uma das questões que Adolfo Nicolás ressaltou é que, atualmente, se
fala na Missão Deus e não da missão da Igreja. “Não é a missão dos
jesuítas, mas a missão de Deus. Antigamente falávamos que os leigos
estavam fora e que a missão era do clero. Hoje, até o papa diz que a
missão de Deus é de todos e todos somos colaboradores em transformar a
realidade e o mundo”, frisa Nicolás.
Nessa perspectiva, o Superior lembrou os mais de 30 anos de vivência
no Japão para sustentar a importância do diálogo com outras dimensões
religiosas e que Deus não está no consenso, senão no coração de cada
pessoa.
Em mais uma metáfora, ele recordou um episódio ocorrido após o
tsunami que assolou o Japão. “Eu recebi a cópia de uma carta, enviada
por uma senhora australiana que vivia na ilha ensinando inglês. Nela
lia-se que, durante 15 dias após o tsunami, a senhora encontrava comida
na porta de seu apartamento sem saber quem deixava, mas que era um gesto
de compaixão de alguém que sabia que ela era estrangeira e que poderia
não saber o que fazer naquela situação. Isso mudou a substância do mundo
para ela, e isso não é acidental, é Deus operando no coração das
pessoas”, relata.
"O caminho de transformação é
interior.
Se somos transformados interiormente,
é essa a experiência que
tem seguido
nas instituições educativas
que seguem transformando
a
experiência humana”
Caminho interior
Adolfo Nicolás fez um retorno ao tempo axial – cinco
séculos antes de Cristo – em um esforço de entender processos já
ocorridos no sentido de reduzir o sofrimento humano. Ele reiterou que ao
menos quatro culturas religiosas distintas – chinesa, indiana,
israelense e grega – tentaram um movimento de diminuir o sofrimento
humano, contribuindo para uma sociedade menos violenta. “Isso é uma
preocupação de todas as religiões. Tentaram rituais, tentaram
sacrifícios, etc. Até certo ponto é melhor matar um cabrito que uma
pessoa, mas segue a violência, porque se mata em nome de Deus. Então
chegaram ao ponto de que o caminho é o caminho interior. Foi justamente o
que os cristãos descobriram mais tarde. O caminho de transformação é
interior. Se somos transformados interiormente, é essa a experiência que
tem seguido nas instituições educativas que seguem transformando a
experiência humana”, considera.
“Em três dias no Japão você escreve um livro;
em três meses no Japão você escreve um artigo;
em três anos no Japão
você não escreve nada,
porque se dá conta da complexidade”
O cristão e o budista
Para Nicolás, os cristãos e os budistas dizem que Deus é um mistério.
Entretanto, os orientais evitam falar de Deus, pois consideram que,
quando fazemos isso, nos tornamos pequenos, além do fato de que as
coisas que ignoramos de Deus são sempre mais numerosas que as que
conhecemos. “Os budistas nem falam de Deus. Os cristãos, quando se dão
conta de Deus, escrevem livros gordíssimos”, brinca o Superior que
arrancou risos do público. “Em três dias no Japão você escreve um livro;
em três meses no Japão você escreve um artigo; em três anos no Japão
você não escreve nada, porque se dá conta da complexidade”, complementa.
A juventude e as ruas
Na avaliação do jesuíta, as manifestações ocorridas revelaram também a
generosidade e a compaixão da juventude que, no mês de junho, percorria
as cidades brasileiras. Ele lembrou um programa de TV no Japão em que
diversos jovens foram convidados a dar depoimentos sobre as razões que
os motivavam a fazer intercâmbio e conhecerem outros países. “Os jovens
que saíam do Japão para intercâmbio não tinham motivações para além da
curiosidade de conhecer outros lugares, mas revelaram que mudaram a
relação com eles mesmos conhecendo a realidade sofrível de outras
pessoas”, destaca.
De acordo com Nicolás, a reconciliação de uns com os
outros passa pela reflexão pessoal e que se dá na inter-relação entre
palavra e silêncio. “Silêncio não é mudismo. O silêncio nutre a palavra.
Do silêncio se vai à palavra e da palavra ao silêncio. Nossas
universidades são chamadas a entender a relação mútua entre silêncio e
palavra, que significam comunhão. As tensões e os paradoxos vividos no
Brasil deram às ruas as palavras dos excluídos em silêncio e dos
malefícios da globalização”, argumenta.
“É preciso encontrar caminhos nas pesquisas acadêmicas
que
beneficiem os pobres, os refugiados
e os que defendem as causas
ambientais.
Devemos ir além de nossa experiência espiritual”.
Nossa responsabilidade
O papel das universidades jesuítas na sociedade da informação, como
ressaltou o Superior, é o de assumir a responsabilidade sobre o mundo e o
meio ambiente no sentido de garantir, entre outras coisas, o futuro dos
povos indígenas ameaçados pela poluição tóxica e o lixo. “Incentivo
nossas universidades a pesquisarem para que seus estudos e investigações
produzam resultados práticos em nome da sociedade e do meio ambiente”,
disse. “É preciso encontrar caminhos nas pesquisas acadêmicas que
beneficiem os pobres, os refugiados e os que defendem as causas
ambientais. Devemos ir além de nossa experiência espiritual”, conclui.
Para ele, a transversalidade do conhecimento deve passar pela
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridades
com vistas à formação integral da pessoa humana. “Recentemente o
pontífice se encontrou com o reitor da Universidade Gregoriana de Roma, e
depois se encontrou comigo. Nos dois diálogos ele insistiu na
importância da periferia, pois a Igreja se vê melhor desde a periferia e
precisa de um centro de reflexão para que seja mais profunda. A mim
certamente me animou muito insistir no postulado de garantir o
pensamento em um mundo ameaçado pela superficilidade. A tarefa que
constitui o substantivo universidade está relacionada à ideia
de racionalidade, que designa o domínio das atividades práticas a partir
das quais ela mesma se reconhece”, argumenta.
Civilização nascente
“É inerente à missão de uma sociedade confiada à Companhia de Jesus
que as necessidades materiais não sejam dadas automaticamente pela
natureza ao instinto humano, mas depende da questão histórico-cultural; é
fruto de um contexto. A partir da conceituação da sociedade
sustentável, a primazia pelo econômico teve suas limitações tornadas
mais evidentes, mostrando-se incapaz de abranger os aspectos globais da
crise cuja voz ressoou nas ruas do Brasil”, frisa Nicolás ao se referir ao projeto civilizatório calcado na sociabilidade humana voltada à produção e satisfação material.
Ele ressaltou que a nascente civilização tecnocientífica mediante a
técnica oferece mil opções aos seres humanos, mas que a humanidade só
estará livre à medida que transcender a funcionalidade das coisas e
alcançar a liberdade de ser. “Um filósofo francês fala de duas
liberdades: horizontal e vertical. A horizontal se refere a termos
diariamente que escolher o que tomar no café da manhã – sem
transcendência. A liberdade vertical é subir a visada e deixar de ver as
coisas fora dos interesses da família, do trabalho, de Deus: é a
capacidade de mudar o ponto de vista. Escolher uma coisa ou outra é
limitador, a verdadeira liberdade é interior”, defende.
Pesquisa contemporânea
Nicolás ressaltou que a pesquisa contemporânea não se volta à
revelação de fenômenos, mas à construção de novos seres com a
bioengenharia, que consagra a objetificação do objeto, que passou a
povoar o espaço humano. “Significar a inteligência da fé é o esforço de
uma compreensão conceitual sem ignorar as virtualidades possíveis. É
pelo pensamento científico que se esclarecem as relações da forma da vida ética - a responsabilidade por si e pelo outro, que se situa no dever da estrutura da existência", frisa.
Encerramento
O encontro encerrou com a apresentação de um octeto da Orquestra Unisinos e com os alunos do projeto Vida com Arte da Ação Social da Unisinos.
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Fotos: Ricardo Machado
Fonte: IHU on line, 18/07/2013
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