Antonio Ozaí da Silva*
"O
passado é renitente, teima em se fazer presente.
Quando menos esperamos
nos deparamos com ele,
o passado presente!"
Quem
não carrega em si as lembranças do tempo que passou? Quem não se debate
diante de recordações que insistem em se fazer presente e não cedem ao
desejo do esquecimento? Quem não passou pela experiência de rememorar
algo que parecia plenamente esquecido? Um detalhe, um nome, uma música,
uma fotografia, um objeto, um lugar, etc., e o que parecia morto e
enterrado no passado ressuscita como uma doce lembrança ou um fantasma
que assombra o presente. Sim, há as recordações desejadas, nutridas e
que acalentam a alma e ensejam a saudade! Mas há também aquelas que
preferíamos não lembrar, pois renova a dor, o sofrer e traumas que
parecem insuperáveis. O tempo psíquico não é cronológico, nele o passado
e o presente confundem-se. Uma sensação vinculada a um evento no
passado longínquo pode se revelar tão intensa na memória que é capaz de
anular o passar do tempo.
Quer nos cause tristeza, saudade ou felicidade, a capacidade humana
de registrar sentimentos, fatos, e guardar em si como um tesouro ou uma
Caixa de Pandora que preferimos manter bem fechada nas profundezas da
mente, nos vincula ao passado. É impossível libertar-nos completamente
do passado. Então, talvez seja melhor aprendermos a conviver com ele.
Até porque o passado não constitui apenas negatividade, mas também
contém aspectos positivos que contribuem com a vida no presente. Mesmo
quando se apresenta em cores tristes e faz ressurgir a dor e o
sofrimento que nos atormenta a alma, ele nos ensina algo! Aprendamos!
Não há o novo, o presente absolutamente novo! Quando crianças,
herdamos as tradições e o mundo dos adultos. Nem bem compreendemos a
vida e já nos vemos sob a influência do passado, o peso da tradição
oprime a nossa mente e configura valores, crenças, formas de sentir e
compartilhar a vida, que nos marca indelevelmente. Mesmo quando rompemos
com esta influência e negamos os valores, crenças, etc., que nos
imputaram, a ruptura não é plena. O novo carrega em si, numa tensão
dialética, traços da negação. O novo é superação, mas também
incorporação.
Este raciocínio filosófico também pode ser aplicado a outros aspectos
da vida. Na complexidade do viver, nos relacionamos com outros seres
humanos e são essas relações que conferem a nossa identidade. O eu é definido na relação com outro eu!
Somos a síntese de múltiplas relações complexas. Quem ainda não se
perguntou: “O que fiz de mim?!” É uma pergunta razoável, pois,
fundamentalmente, somos delineados pelas decisões que tomamos. Contudo,
não vivemos sós no mundo. Assim, também é admissível a pergunta: “O que
fizeram de mim?” As decisões de outros também conformam o que somos.
Pais e mães, por exemplo, decidem sobre os filhos e, assim, tem
influenciam o futuro deles. A decisão da minha mãe de deixar o nordeste e
migrar para São Paulo, Capital, mudou o rumo da minha vida. Da mesma
forma, a nossa decisão de mudar para o Paraná transformou completamente
as possibilidades da vida futura das minhas filhas. Talvez o meu genro
deva agradecer, não fosse isto, muito dificilmente teria conhecido a
minha filha. Como teria sido se permanecêssemos em São Paulo? Claro,
esta decisão também influenciou decisivamente na vida das irmãs dela e
também as nossas! O passado define o presente! O que somos é o resultado
do que fizeram de e por nós e do que fazemos por nós e pelos outros.
Muitas vezes, com a alma oprimida por sentimentos e lembranças que
nos entristecem e lançam-nos na nostalgia dos momentos felizes que a
vida nos ofertou, almejamos apagar a memória e imaginamo-nos capazes de
deletar o passado. Pode ser alento, mas revela-se uma triste ilusão. O
passado é renitente, teima em se fazer presente. Quando menos esperamos
nos deparamos com ele, o passado presente!
-------------------------
* Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí: Editora Unijuí, 2008).
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2013/07/27/o-passado-presente/
Nenhum comentário:
Postar um comentário