Antonio Delfim Netto*
Todos concordam que as agências de rating antecipam muito mal o risco, mas ignorá-las é um grave erro.
A situação fiscal do
Brasil não é tão tranquila quanto sugerem as autoridades nem tão
catastrófica como insistem alguns portadores das virtudes da
austeridade. Há muitos anos estamos a acumular desperdícios e a escolher
mal as prioridades, juntamente com um controle laxista da gestão dos
recursos públicos. As informações mais recentes sobre o déficit público e
o seu comportamento não revelam, entretanto, tragédia iminente.
No acumulado
de 12 meses, o déficit nominal foi de 3% do PIB: gastos com juros de 5%
e superávit primário de 2%. Aparentemente, não haveria espaço para
análises de tal forma divergentes. Afinal, desde o Plano Real, o déficit
tem sido mantido sob controle e lentamente é reduzido.
Dois motivos podem ser apontados, no entanto:
1. Frequentes lacunas de clara comunicação sobre a ação fiscal.
2.
Uma propensão por manobras contábeis tão exóticas quanto inúteis,
capazes de lançar dúvidas sobre a apreciação das contas públicas.
Quando o voluntarismo da autoridade
ignora as reações dos agentes privados, é preciso lembrar que o faz não
por sua conta e risco, mas da economia nacional. Todos concordam que as
agências de rating antecipam muito mal o risco, mas ignorá-las é
um grave erro. Por uma miserável e desagradável razão: a opinião das
agências influi no comportamento dos operadores do mercado e, em certa
medida, controla as suas ações.
O cálculo do déficit,
tanto quanto o da dívida, envolve muitos aspectos contenciosos e sempre
alguma arbitrariedade. Logo, o que precisamos fazer é dar transparência
à contabilidade pública, para restituir-lhe uma sólida credibilidade.
De nada adiantam os truques para transformar “dívida” em “receita” e
assim construir imaginários superávits fiscais. Ou não registrar
adequadamente o montante da dívida. Parece óbvio, por exemplo, que no
cálculo deve ser incluída a variação dos “Restos a Pagar” não cancelados
no último dia do exercício.
Algumas observações são necessárias:
1.
A relação entre a Dívida Pública Líquida e o PIB introduz maior
arbitrariedade na avaliação da situação fiscal. Gera mais sombra do que
luz.
2. Não há dúvida sobre a importância fundamental da dívida
pública tanto para o financiamento de projetos de desenvolvimento de
infraestrutura com taxa de retorno menor do que a do mercado (com o
subsídio registrado no orçamento) quanto para o exercício da política
monetária.
3. Como disse o gigante Alexander Hamilton, criador
das finanças públicas dos EUA, “uma dívida pública não excessiva será
para nós uma bênção”, o que nos lembra que a natureza da dívida pública é
oposta à da dívida privada.
4. Sempre haverá uma discussão sobre dívidas contingentes.
Já a situação da relação Dívida Bruta/PIB no Brasil não
era confortável em 2008: quase duas vezes a dos países emergentes. Com
relação à Dívida Líquida/PIB, é visível que a mudança do seu
comportamento está ligada à arbitrariedade da sua classificação a partir
de 2008, o que lhe tira a importância. O desconforto acentua-se quando
lembramos que nossa Dívida Bruta/PIB estava, em 2012, no mesmo nível da
alemã e da francesa, antes da crise do Lehman Brothers. A despeito
disso, é ridículo supor que estamos às vésperas do apocalipse fiscal.
A dinâmica do déficit
nominal e da relação Dívida Bruta/PIB depende da evolução da economia. A
receita tende a variar na mesma direção do PIB e do emprego. Parte da
despesa deverá ir no sentido inverso, e mostra que os efeitos do déficit
fiscal precisam ser julgados à luz da conjuntura. Basicamente, quando
por qualquer motivo a demanda privada é insuficiente para manter o pleno
uso do mais escasso dos fatores de produção, nada mais natural do que
suprir essa insuficiência com um aumento da demanda pública por meio de
um aumento do déficit fiscal. Por outro lado, quando não existem fatores
de produção na proporção adequada e o excesso de demanda global
dissipa-se em inflação e em déficit em conta corrente, a solução é
reduzir o déficit fiscal para cortar a demanda pública.
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* Formado pela USP, é professor de Economia, foi ministro e deputado federal.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/757/dinamica-arriscada-1884.html/view
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