Anselm Grün*
Quem ignora as suas necessidades, permite que a sua
espiritualidade trace caminhos agressivos. A agressividade contra si
mesmo conduz à dureza na relação com os outros. Quem reprime as suas
próprias dúvidas, luta contra todos aqueles que não acreditam ou
acreditam de forma diferente e contra aqueles que escolhem outro
caminho espiritual.
Só quem encontra a coragem de descer ao reino das
sombras da sua própria repressão se livra de tais divisões. E então
passará a lidar de forma misericordiosa consigo e com os outros.
Deixará de projetar o seu lado reprimido nos outros, e percorrerá com o
caminho da mudança interna juntamente com eles.
Espiritualidade terrena significa ainda outra coisa
para mim. Ela tem formas concretas. Ela não se passa apenas na cabeça
ou nas emoções. Ela não está suspensa sobre a realidade, mas encontra
na vida de todos os dias a sua expressão. Exprime-se em rituais
purificadores e numa cultura de vida cristã.
Eu vejo hoje muitos cristãos que estão suspensos de
Deus e das suas experiências profissionais. Mas a sua vida não espelha
nada de Deus. A sua piedade não muda a sua vida. Ela não é visível no
exterior. O caminho espiritual precisa de formas muito concretas para
ser visível aos outros, mas acima de tudo para nos mudar.
Precisamos de uma cultura de vida cristã. O espírito
quer tornar-se carne. A espiritualidade precisa de visibilidade. Se um
pregador fala de amor de Deus, mas a sua face exprime brutalidade, não
convence as pessoas. Não tem qualquer efeito se alguém delira de tão
crente e confiante, e os seus ombros exprimem medo. As pessoas querem
ver e experimentar espiritualidade.
Há a bonita história do rabi judeu, a quem as pessoas
não acorriam para ouvir a história da sua vida, mas para ver como ele
apertava os sapatos. Na forma delicada como ele apertava os sapatos, as
pessoas reconheciam que ele era um homem espiritual.
Às pessoas, hoje, não interessa em primeira linha a
verdade das palavras, mas a aparência de uma pessoa e aquilo que ela
irradia. É no seu corpo, nos seus olhos, no seu contacto com as coisas,
que se vê se ela está realmente penetrada pelo espírito de Deus.
Durante a celebração da missa e na própria sacristia,
nota-se pela atitude do sacristão se existe espiritualidade na sua
comunidade. Quando o cálice e os seus panos estão sujos, então sinto a
falta de atenção, que se insinua também no encontro com Deus. Nesta
paróquia celebram-se missas, mas fala-se de Deus de forma tão
insensível, é-se tão pouco atencioso com os rituais e os objetos
litúrgicos que isso não passa despercebido às pessoas. Não é naquilo
que transmitimos que a nossa fé se torna visível, mas naquilo que
somos, naquilo que transmitimos para o exterior.
A espiritualidade terrena de São Bento leva a Terra a
sério. Aqui na Terra mostra-se se o Céu está aberto sobre nós. Na minha
carne está escrito se Deus habita em mim. Na minha cultura de vida
vê-se se eu sou espiritual ou não.
A espiritualidade terrena também tem um aspeto comum.
Ela consegue - como Norbert Lohfink diz - uma cultura cristã contrária,
uma cena espiritual alternativa. Ela tem um carácter público. Torna-se
visível na forma como o serviço religioso é celebrado. Aí as pessoas
podem observar espiritualidade ou não. A espiritualidade terrena é
visível no aspeto dos edifícios, na forma como os quartos estão
mobilados, como os jardins estão dispostos, como os hóspedes são
recebidos, como as pessoas se relacionam entre si.
Para muitos, isto pode parecer tudo regulamentação
interior. Mas São Bento alerta-nos hoje para nos protegermos de grandes
palavras, quando estas não estão revestidas de vida. A palavra quer
tornar-se carne. Cristo desceu dos Céus para tornar o Céu uma realidade
terrena, para apresentar a Terra de forma mais habitável ou mais
humana. A espiritualidade tem de se tornar terrena, para poder
modificar a Terra.
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* Anselm Grün é monge beneditino e escritor alemão, Anselm Grun é um dos maiores conselheiros espirituais da atualidade.
In Bento de Núrsia, ed. Paulinas/Portugal
Fonte: http://www.snpcultura.org/para_uma_espiritualidade_terrena.html 29.07.13
In Bento de Núrsia, ed. Paulinas/Portugal
Fonte: http://www.snpcultura.org/para_uma_espiritualidade_terrena.html 29.07.13
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