«Dobrem-se, joelhos teimosos!»
William Shakespeare
William Shakespeare
O maior obstáculo à vida espiritual é a tentação de fabricarmos o nosso próprio Deus.
Uma coisa é conhecer os meus dons e cultivá-los. E
outra, bem diferente, é presumir que os possuo todos. O desenvolvimento
dos nossos próprios dons é uma tarefa do ser dotado. Foram-nos dados
talentos naturais para que os desenvolvamos em favor dos outros. Cada
um de nós recebeu qualquer coisa que se destina a tornar o mundo melhor
para todos. Cozinhamos, cantamos, ensinamos e escrevemos, limpamos e
organizamos de tantas maneiras "incomumente" comuns. Cada um de nós tem
qualquer coisa que o resto do humanidade precisa.
Estou aqui para dar os meus dons ao mundo, para me
comprazer nos dons que Deus me deu, sim, mas só se for para o bem dos
outros. Cada um de nós é apenas um elo na cadeia que deve trazer toda a
humanidade, e tudo na Criação, à plenitude. Aquilo que eu sou e tenho
devo dá-lo ousadamente, completamente, para o bem do mundo. Se não
reconhecer os meus dons, se não os desenvolver, não posso, de forma
nenhuma, cumprir em mim o propósito pelo qual fui criada.
Ao mesmo tempo, é inteiramente destrutivo – acima de
tudo, para mim própria – presumir que, pelo facto de eu ter um dom,
tenho todos os dons, e que os demais não têm dom nenhum. Que o meu dom
ultrapassa todos os outros, que me dá direitos que os outros não têm,
que me autoriza a viver acima e para além do resto da raça humana. Isso
é duma terrível arrogância. Destrói todos os nossos relacionamentos,
quer humanos, quer divinos.
A arrogância corrói a nossa consciência do poder da
interdependência e deixa-nos a morrer incompletos. Reduz a pó a criação
dos outros. Até nos impossibilita de ver as nossas necessidades.
Sem capacidade de «dobrar os nossos joelhos teimosos »
perante aqueles que são igualmente dotados, perdemos também a
capacidade de dobrar os nossos joelhos perante o Criador, que fez de
nós, de cada um de nós, um dos feixes de luz brilhante da beleza divina
que, juntamente com todos os outros, reflete o esplendor que enche o
mundo.
É a nossa necessidade uns dos outros que nos mostra a
necessidade que temos de Deus. É a nossa profunda incompletude que grita
todos os dias das nossas vidas para ser completada – pelos que nos
rodeiam e por Deus.
Temos de rezar pela humildade, tão necessária para encontrar a nossa plenitude na nossa pequenez.
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Joan Chittister
In O sopro da vida interior, ed. Paulinas
In O sopro da vida interior, ed. Paulinas
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