Clóvis Rossi*
Mas, atenção, a revolução que o papa pede tem por base o difícil e exigente Evangelho
Foi assim, escandindo cada sílaba de "revolucionários", que o papa pediu
que cada jovem seja. Revolucionário é uma palavra forte em qualquer
contexto. Mas fica agressiva no contexto de um continente, a América
Latina, em que o status quo, que o revolucionário deve forçosamente
romper, é duro para as maiorias.
É razoável supor que cada corrente política, ideológica ou eclesial
puxará a brasa da palavra papal para a sua sardinha. Como eu não tenho
sardinha a vender, prefiro olhar o conjunto da obra do papa no Rio de
Janeiro/Aparecida para tentar entender o que ele quer dizer exatamente
com essa pregação.
Suspeito que o bom revolucionário desejado pelo papa não usará nem o
manual de Adam Smith nem o de Karl Marx. Usará um instrumento ainda mais
potente, chamado Evangelho.
Francisco deixou muito claro que "levar o Evangelho é levar a força de
Deus para arrancar e arrasar o mal e a violência; para destruir e
demolir as barreiras do egoísmo, da intolerância e do ódio; para
edificar um mundo novo".
Mais claro é impossível, certo?
O grande problema para fazer uma revolução com base no Evangelho é que,
no tempo de Jesus, não havia YouTube, não havia redes sociais, não havia
nem sequer a mídia convencional para reproduzir fielmente as palavras
de Cristo. O que chegou a nós são interpretações feitas pelos
evangelistas, por sua vez sujeitas a reinterpretações de teólogos,
religiosos e leigos, cada um com seu respectivo viés.
Seja qual for a interpretação que você prefira, o certo é que a política
hoje hegemônica, caracterizada pela idolatria do dinheiro, não é o
mundo que o papa gostaria que continuasse, conforme ele deixou claro na
entrevista a Gerson Camarotti, das Organizações Globo, difundida na
noite de domingo (um belo furo).
De resto, a encíclica "Rerum Novarum", lançada no remoto ano de 1891, já
continha críticas tanto ao capitalismo como ao socialismo.
Mas a igreja, nesses 122 anos transcorridos, não pôs de pé algum modelo
alternativo. E muita gente acha que nem lhe cabe fazê-lo.
Francisco tampouco deu pistas de qual é a revolução que ele quer que os
jovens façam. Basta uma revolução espiritual "para edificar um mundo
novo"? Basta cada um seguir rigidamente o exigente Evangelho? Ou é
preciso revolucionar também as estruturas que sufocam não apenas os
jovens, não apenas os velhos, os dois extremos de que o papa se fez
porta-voz?
Não tenho nem remotamente a pretensão de responder a essas perguntas e, francamente falando, não conheço ninguém que as tenha.
Não foi o único ponto de interrogação que Francisco deixou em sua visita
ao Brasil. Na entrevista à Globo, o papa anunciou para de 1 a 3 de
outubro as primeiras respostas da comissão que ele próprio incumbiu de
estudar a reforma da Cúria Romana, o coração do Vaticano. Adiantou
apenas que algumas coisas que serviram no passado podem não servir hoje
em dia.
Que coisas? Primeiras respostas em outubro, quando se começará a saber se Francisco é ele também um revolucionário.
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* Jornalista. Escritor. Colunista da Folha.
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crossi@uol.com.br
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