Fernando Henrique Cardoso*
Há dois anos, em minha qualidade de presidente da Comissão Global de
Política sobre Drogas, realizei um chamado público pela
descriminalização do consumo de drogas e pela experimentação com modelos
de regulação legal. Eu e meus colegas fizemos este chamado a partir do
reconhecimento de que o proibicionismo fracassou em muitos níveis. Por
tempo demais, o modelo repressivo implicou o desperdício de recursos
públicos inestimáveis, que pouco resultado proporcionou para a segurança
e a saúde públicas.
Assim, apoiamos a busca de modelos de
regulação legal porque acreditamos que reduzirão o poder do crime
organizado e ajudarão a proteger a saúde e a segurança das pessoas. Por
este motivo, acho que a proposta do Uruguai de regular a maconha é digna
de consideração.
Uma série de fatores leva a concluir sobre a
necessidade de um controle regulatório no Uruguai e em muitas outras
localidades do mundo. Um fato relevante é que, no modelo repressivo, os
usuários estão vinculados ao mercado criminoso. Essas pessoas são
efetivamente conduzidas a um mercado ilícito que não impede a venda de
drogas a menores de idade, não se preocupa com indivíduos que
desenvolvem o uso problemático ou certifica a qualidade sanitária da
substância, envolvendo a cadeia de uso em um contexto de violência e
delinquência.
Estes são apenas alguns dos riscos para as pessoas
que fazem uso de maconha. Porém, o próprio mercado gera preocupações
adicionais.
O lucro deste mercado sustenta uma economia informal,
cujo alcance pode ser apenas estimado. Os informes oficiais indicam que o
tamanho do mercado de maconha no Uruguai gira em torno dos US$ 30 a US$
40 milhões por ano. Quanto deste dinheiro é utilizado para corromper as
forças de segurança ao largo das fronteiras dos países de origem da
droga? Quanto deste dinheiro é utilizado para subornar a polícia ou é
“lavado” através de instituições financeiras? E quanto acaba sendo
empregado na compra de armas e financiamento de quadrilhas criminosas?
Tais
preocupações não são derivadas do consumo de drogas, mas consequências
de uma política que ignora as condições do mundo real.
A proposta
de regulação que se discute no Uruguai não parece centrar esforços na
geração de lucros, mas na promoção da saúde e segurança públicas. Também
é evidente que essa proposta possa significar uma soma pela subtração:
simplesmente retirar recursos do crime organizado seria um benefício em
si mesmo.
Como em qualquer lugar do globo, a transformação interna
na política sobre drogas gera controvérsia, simpatizantes e
antagonistas. No Uruguai, diversas organizações sociais e personalidades
públicas consolidaram seu apoio à plataforma “Regulación Responsable”,
que tem por objetivo enriquecer o debate cidadão com dados reais e
tornar visível o apoio à iniciativa de regulação da maconha. Com muito
entusiasmo, saúdo o compromisso da cidadania uruguaia e com satisfação
declaro publicamente minha adesão a Regulación Responsable.
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* Fernando
Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República. Este artigo
foi escrito para o grupo de jornais associados ao GDA
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