José Oscar Beozzo*
O Papa Francisco acrescentou à anterior programação de Bento XVI para
a JMJ, uma peregrinação pessoal ao santuário de Aparecida. Ali, em maio
de 2007, participou da V Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano e coordenou a redação do Documento de Aparecida.
Irá como peregrino ao encontro de expressão antiga, mas muito viva do
catolicismo brasileiro, pois Aparecida atrai mais de 10 milhões de
romeiros por ano. É um catolicismo que deita raízes no passado, com seus
santuários plantados à beira dos rios – os antigos caminhos coloniais –
ou ao longo do mar, por onde se escoava o açúcar dos engenhos.
Há um fio invisível que une Bom Jesus de Pirapora no rio Tietê, ao
Bom Jesus da Lapa, à beira do Rio São Francisco e que alcança o
santuário de São Francisco das Chagas de Canindé no Ceará ou ainda o Bom
Jesus de Matosinhos em Minas Gerais e a catedral do Bom Jesus de
Cuiabá, no longínquo Mato Grosso. Trata-se do mesmo catolicismo que Fafá
de Belém irá evocar, ao trazer para o Papa, os ecos da grande procissão
do Círio de Nazaré. Será a Virgem do mundo indígena da bacia amazônica
contracenando com a Virgem negra das fazendas de café tocadas pelo braço
escravo no Vale do Paraíba paulista e fluminense, ou com N.S. da Penha
em Vitória e N.S. da Conceição da Praia, em Salvador. A cada 8 de
dezembro, parte dali o cortejo das filhas de santo, com seus cântaros de
água de cheiro, para lavar as escadarias da Igreja do Bonfim.
Esse catolicismo tradicional ganha rosto militante e libertador com
as muitas Romarias da Terra e das Águas promovidas pela CPT (Comissão
Pastoral da Terra) ou com o XIII Intereclesial das CEBs que acontecerá
em janeiro próximo no Juazeiro do Pe. Cícero, com o tema “Justiça e
Profecia a serviço da Vida” e o lema “CEBs, romeiras do Reino no campo e
na cidade”.
No Rio, o Papa tocará o contraste de um catolicismo, que respaldado,
na década de 30, por mais de 98% dos brasileiros que se declaravam
católicos, sonhou com uma nova cristandade e erigiu no alto do Corcovado
a estátua do Cristo Redentor, que devia reinar sobre a cidade e o país.
Hoje o Rio é a capital estadual com o menor percentual de católicos e a
maior porcentagem dos que declaram “sem religião”. Na sua periferia, os
católicos viraram minoria frente aos fieis das Igrejas batistas e das
muitas igrejas pentecostais. Passeando o olhar pelas favelas dos morros
do Rio e na sua visita à Comunidade de Varginha, no complexo de
Manguinhos, o Papa entrará em contato com uma franja do Brasil de mais
de 100 milhões de afrodescendentes, mas terá ao seu lado nas missas,
uma maioria de bispos e padres de origem branca e europeia, com escassa
presença negra!
Durante a JMJ, os 2 milhões de jovens que estarão com o Papa serão
acompanhados ao vivo por vasta audiência no Brasil e mundo afora. Aqui
reside outro rosto da Igreja, o de um catolicismo mediático, cuja face
mais visível são os padres cantores e as redes católicas de TV: Rede
Vida, Canção Nova, TV Aparecida, TV Século XXI, com fortes laços com a
renovação carismática católica. Essas redes são, entretanto, pálida
presença frente ao poder mediático de uma IURD, com a Rede Record de
Televisão ou as intermináveis horas alocadas nos outros canais de TV a
diferentes igrejas pentecostais.
Para a Igreja católica, são muitos os desafios de hoje: Como passar
de um catolicismo tradicional e apenas nominal a um catolicismo de opção
e a uma fé atuante? Como transitar de um catolicismo rural para sua
vivência no contexto da cultura urbana, técnica, científica e mediática?
Como implantar uma Igreja-comunidade, numa sociedade de extremado
individualismo e competição? Como viver modesta e frugalmente, atentos à
crise ambiental, na contramão de um consumismo sem freio nem medida?
Como atuar em solidariedade com os pobres, empenho nas lutas por justiça
e superação das desigualdades, discriminação racial e violência, de
forma corajosa e cidadã no campo social e político, no momento em que
cresce a tendências de espiritualismos desencarnados?
Como falar à juventude, depois que se rompeu o vínculo da transmissão
da fé no seio das famílias, mas surgiu também renovado anseio por
justiça, paz e cuidado com a criação? Como aprofundar a reflexão sobre
sentido da sexualidade humana, do amor, do prazer, exercitando escuta e
misericórdia frente a sofrimentos e perplexidades neste campo? Como
responder ao grito das mulheres, cuja emancipação e aspiração a igual
dignidade em todas as esferas da vida, não é suficientemente acolhido
nas estruturas da Igreja? Como mover-se, enfim, nos espaços do crescente
pluralismo religioso da sociedade brasileira, aprendendo a dialogar e a
cooperar ecumenicamente para o bem comum, com todas as pessoas, nas
diferentes igrejas, religiões e filosofias de vida?
-----------------------------------------
* Historiador, coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular/ CESEEP.
jbeozzo@terra.com.br
jbeozzo@terra.com.br
*JOSE OSCAR BEOZZO é um dos padres mais bem preparados e
inteligentes que a Igreja do Brasil possui. É teólogo, historiador,
sociólogo, assessor de Comunidades Eclesiais de Base e animador da
Leitura Popular da Biblia entre outras atividades. Pubicamos aqui um
pequeno relato do tipo de Igreja que o Papa Francisco vai encontrar no
Brasil. Ele elenca os principais desafios que merecem consideração.
LBoff
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/07/26/que-igreja-catolica-temos-no-brasil-vista-pelo-historiador-j-o-beozzo/
Nenhum comentário:
Postar um comentário