Um novo livro aborda um aspecto-chave da crise ambiental
global: o esquecimento da natureza sagrada da criação e de como isso
afeta a relação humana com o ambiente.
A análise é do jesuíta norte-americano e ativista pela paz John Dear, indicado ao Prêmio Nobel da Paz pelo arcebispo anglicano Desmond Tutu. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 09-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Todo
mundo sempre me disse que esse é um assunto encerrado, que vai
acontecer, que é infantilidade querer protestar contra isso", disse Bill McKibben, fundador do grupo 350.org e um de principais ativistas ambientais norte-americanos, ao The New York Times, referindo-se ao próximo anúncio do presidente Barack Obama sobre se deve ou não seguir em frente com o destruidor oleoduto transfronteiriço Keystone XL, de 2.800 quilômetros de comprimento.
"Mas para mim ele nunca pareceu um assunto encerrado, porque é muito ilógico", continuou McKibben.
"Esse é o petróleo mais sujo que alguém já conseguiu encontrar na face
da Terra, e sempre me pareceu que, mesmo diante de uma escuta
remotamente justa, as pessoas perceberiam isso".
Qualquer pessoa que esteja prestando atenção e se preocupe com a
Terra e não com os lucros das companhias petrolíferas percebe que esse
oleoduto será um desastre ambiental para a América do Norte e uma enorme ameaça para o clima global. Como o cientista da NASA e líder profético James Hansen disse a McKibben há alguns anos, o oleoduto Keystone XL será "o fim do jogo para o planeta".
Eu apoio plenamente os protestos em andamento contra o oleoduto Keystone XL, e espero e rezo para que o governo Obama
faça a coisa certa e se recuse a seguir em frente com ele e tome
decisões ainda mais duras para reduzir as emissões de carbono e de
combustíveis fósseis, e para proteger a criação.
Essa será a conclusão de quem ler o sábio novo livro Spiritual Ecology: The Cry of the Earth [Ecologia
Espiritual: O Grito da Terra], uma bela coleção de artigos
inter-religiosos de alguns dos nossos maiores pensadores sobre o
ambiente, a espiritualidade e as catastróficas mudanças climáticas. Os
contribuidores incluem: Thich Nhat Hanh, Joanna Macy, Wendell Berry, o frei franciscano Richard Rohr, Brian Swimme, Thomas Berry, Vandana Shiva, Bill Plotkin, a irmã dominicana Miriam MacGillis e Winona LaDuke, dentre outros.
"O mundo não é um problema a ser resolvido; ele é um ser vivo ao qual
pertencemos", escreve o editor Llewellyn Vaughan-Lee em sua introdução
"O mundo é parte do nosso próprio 'eu' e nós somos uma parte da sua
totalidade sofredora. Enquanto não formos à raiz da nossa imagem de
separação, não poderá haver cura (...) Só quando os nossos pés
aprenderem mais uma vez a caminhar de uma forma sagrada, e os nossos
corações ouvirem a música real da criação, poderemos levar o mundo de
volta ao equilíbrio".
Spiritual Ecology aborda um aspecto-chave
da nossa crise ambiental global: o nosso esquecimento da natureza
sagrada da criação e de como isso afeta nossa relação com o ambiente.
Ele tenta articular a resposta espiritual ao desastre ecológico que
provocamos e oferece muitas intuições estimulantes.
"Os sinos da conscientização estão soando", escreve o mestre budista Nhat Hanh.
"Em toda a Terra, estamos enfrentando inundações, secas e incêndios
maciços. O mar de gelo está derretendo no Ártico, e furacões e ondas de
calor estão matando milhares de pessoas. As florestas estão
desaparecendo rapidamente, os desertos estão crescendo, as espécies são
sendo extintas todos os dias, e mesmo assim continuamos consumindo,
ignorando os sinos a tocar".
"Precisamos de um despertar coletivo", continua Nhat Hanh.
"A maioria das pessoas ainda está dormindo. Todos nós temos um grande
desejo de sermos capazes de viver em paz e de ter uma sustentabilidade
ambiental. O que a maioria de nós ainda não tem são formas concretas
para tornar o nosso compromisso com uma vivência sustentável uma
realidade em nossas vidas cotidianas. É hora de que cada um de nós se
desperte e tome uma ação em sua própria vida. Se despertarmos para a
nossa verdadeira situação, haverá uma mudança na nossa consciência
coletiva".
"Estamos passando de uma era dominada por Estados-nação concorrentes
para uma era que está dando à luz uma civilização planetária
multicultural sustentável", escreve Mary Evelyn Tucker e Brian Swimme.
"Nunca poderá haver paz no mundo enquanto você fizer guerra contra a Mãe Terra", escreve o chefe Oren Lyons da Nação Onondaga.
"Fazer guerra contra a Mãe Terra é destruir e corromper, matar,
envenenar. Quando fazemos isso, não temos paz. A primeira paz vem com a
sua mãe, a Mãe Terra".
"O sonho de um planeta infinitamente expansível posto inteiramente à
nossa disposição sempre foi apenas isto, um sonho, e ele está
rapidamente se tornando um pesadelo", escreve a mestre zen Susan Murphy.
"A mudança tumultuada em grande escala cresce cada vez mais,
provavelmente junto com cada dia de normalidade. A única pergunta é que
forma ela irá tomar, que ordem de choques climáticos e crises políticas
vai começar a agitar e desmontar o nosso mundo, e como as pessoas vão
reagir enquanto o mercado entra em colapso e a fonte de abundância
evapora".
"Estamos vivendo naquele que certamente deve ser o momento mais
assustador e apreensivo que já enfrentamos como espécie", continua Murphy.
"Estamos frente a uma realidade em desenvolvimento que pode tanto
condenar os seres humanos ao esquecimento, quanto nos inspirar para
acordarmos para as nossas vidas de uma forma inteiramente mais
interessante. Um caminho que começa vivendo com sobriedade e
criatividade com relação à crise do nosso planeta – não como um problema
a ser resolvido através da engenharia de uma 'bolha' humana cada vez
melhor e mais segura, mas como uma obrigação constantemente em
desdobramento a começar a levar em consideração a reconstrução de nós
mesmos como seres humanos ecologicamente despertos (...) Quando o que
está em jogo é a vida na terra, todo o restante é distração".
"Eu não sei o que vai acontecer", confessa MacGillis, da Genesis Farm.
"É uma grande tristeza. Permitir a dor de tudo isso em nossa psique – é
demais. (...) O que estamos fazendo uns aos outros, e se poderemos
possivelmente acordar a tempo (...) Você tem que fazer a sua pequena
parte e você tem que ser muito, muito humilde e reconhecer que há
limitações. E, mesmo assim, o amor que eu sinto pela vida – eu
simplesmente quero que ele siga em frente! Isso é tudo o que me
interessa".
"A Terra está passando por uma terrível devastação, que está sendo
causada pela sociedade, pela cultura e por um modo de vida em que todos
estamos envolvidos", continua ela. "Nós não estamos redimidos disso.
Estamos implicados, estamos dentro disso. Nós precisamos de toda a
sabedoria, de todo o apoio que possamos conseguir. Precisamos uns dos
outros... Também precisamos da capacidade de ver que o momento presente
não é a palavra final, que sempre há a possibilidade de que possamos
transcender as nossas próprias limitações – o planeta, a Terra, a
sociedade podem fazer isso. É possível acreditar nisso e trabalhar nessa
direção. Isso é tudo o que podemos fazer".
"A Terra e os seus sistemas de vida, dos quais todos nós dependemos
inteiramente (assim como de Deus!), podem em breve se tornar aquilo que
irá nos converter a um estilo de vida simples, à necessária comunidade e
a um sentido inerente e universal de reverência ao Sagrado", escreve Rohr.
"Todos nós respiramos o mesmo ar e bebemos a mesma água. Não há versões
judaicas, cristãs ou muçulmanas desses elementos universais".
"Eu sei que não são mais as palavras, as doutrinas e os sistemas de
crenças mentais que podem ou que irão revelar a plenitude desse Cristo Cósmico",
conclui ele. "Esta Terra, de fato, é o próprio Corpo de Deus, e é a
partir desse corpo que nascemos, vivemos, sofremos e ressuscitamos para a
vida eterna. Ou tudo é parte do Grande Projeto de Deus, ou então
devemos nos perguntar se algo realmente o é".
"Ao nível de sobrevivência que estamos nos aproximando rapidamente,
as nossas tentativas de nos distinguirmos por diferenças acidentais e
históricas, e por sutilezas teológicas – ignorando o claro 'pano de
fundo' – estão se tornando uma perda de tempo quase blasfema e um
desrespeito chocante para com a vida una, bela e multitudinária de Deus.
Eu ainda acredito realmente que a graça é inerente à criação, e que
Deus e a bondade ainda terão a última palavra".
Spiritual Ecology me ajuda a refletir sobre
o nosso desastre ecológico atual e a futura catástrofe que estamos
trazendo sobre nós mesmos, a meditar sobre essa realidade assustadora
mediante a sabedoria das religiões do mundo e de alguns dos nossos
melhores escritores espirituais. Eu o recomendo àqueles que buscam
entendimento espiritual à luz dessa catástrofe e a todos que estão
tentando simplificar as suas vidas, protestar contra o oleoduto Keystone XL e contra outros atos destrutivos, e acordar para as necessidades da Mãe Terra.
"Lembremo-nos do nosso papel como guardiões da Terra, custódios dos
seus caminhos sagrados e voltemos mais uma vez a viver em harmonia com
os seus ritmos e leis naturais". Esse é o epílogo final do livro – uma
boa oração para todos nós e um caminho a seguir.
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Fonte: IHU on line, 18/07/2013
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