Amor
Todas as noites
sonhar com a mulher
deitada ao teu lado.
sonhar com a mulher
deitada ao teu lado.
Nem sempre aforística, como nesta definição de Amor, a poesia de Gueorgui Gospodinov (1968),
poeta búlgaro, surge-nos com o peso preciso de cada palavra, dando ao
verso e aos poemas a extraordinária capacidade de nos fazer voar a
imaginação.
Acrescento mais alguns poemas retirados da recolha poética O Coelho do Amor, onde a lemos em tradução portuguesa de Zlatka Timenova-Valtcheva e Petar Petrov.
O Coelho do amor
Volto já, disse
e deixou a porta aberta.
A noite era especial para nós,
no fogão cozia coelho,
com cebola, rodelas de cenoura
e dentes de alho.
Nem casaco levou,
nem pôs batom, não perguntei
para onde ia.
Assim é ela.
Nunca teve noção
do tempo, chegava tarde para os encontros
e naquela noite
disse simplesmente
Volto já,
e nem a porta fechou.
e deixou a porta aberta.
A noite era especial para nós,
no fogão cozia coelho,
com cebola, rodelas de cenoura
e dentes de alho.
Nem casaco levou,
nem pôs batom, não perguntei
para onde ia.
Assim é ela.
Nunca teve noção
do tempo, chegava tarde para os encontros
e naquela noite
disse simplesmente
Volto já,
e nem a porta fechou.
Seis anos após aquela noite
encontro-a numa outra rua,
pareceu-me assustada,
como alguém que se lembra
de ter deixado o ferro de engomar ligado
ou algo assim...
encontro-a numa outra rua,
pareceu-me assustada,
como alguém que se lembra
de ter deixado o ferro de engomar ligado
ou algo assim...
O fogão? Desligaste-o?
Ainda não, disse eu,
Ainda não, disse eu,
esses coelhos são muito rijos.
Um sonho em Dianopolis
Não o procurei foi uma coincidência
do olhar e da janela
numa tarde quando
a entrevi nua
só depois soube o seu nome
uma das muitas Dianas
no polis sonolento
do olhar e da janela
numa tarde quando
a entrevi nua
só depois soube o seu nome
uma das muitas Dianas
no polis sonolento
agora estou a esconder-me nos campos
os meus cornos ficam rígidos
os meus pés transformam-se em cascos
crescem os meus caninos
e começam a perseguir-me ladrando
para dentro
galgos em mim
veado e cão veado e cão veado
e cão eu sou
os meus cornos ficam rígidos
os meus pés transformam-se em cascos
crescem os meus caninos
e começam a perseguir-me ladrando
para dentro
galgos em mim
veado e cão veado e cão veado
e cão eu sou
(Nota minha: Diana, deusa itálica que se comprazia apenas na caça)
Depois da pungente ironia destes poemas sobre paixão e abandono alguns cruzamentos com a perplexidade de Deus.
Deus
talvez seja feliz
porque não tem o seu
Deus
talvez seja feliz
porque não tem o seu
Deus
Ensino supremo
Deus tem o seu saber.
No fim dos nossos discursos
coloca cruzinhas em vez de pontos,
coloca cruzinhas em vez de assinatura.
Deus, digo-te ao ouvido,
tem a sua sabedoria.
No fim dos nossos discursos
coloca cruzinhas em vez de pontos,
coloca cruzinhas em vez de assinatura.
Deus, digo-te ao ouvido,
tem a sua sabedoria.
As notícias
Ela fecha o jornal e diz:
leste, em Ayova
caiu granizo — pedaços
como bolas de golfe,
perderam muitas bolas
e agora elas voltam.
Ele devolve-lhes as bolas,
percebes? Aquele Brincalhão!
Mas ela não ri
e diz horrorizada:
leste, em Ayova
caiu granizo — pedaços
como bolas de golfe,
perderam muitas bolas
e agora elas voltam.
Ele devolve-lhes as bolas,
percebes? Aquele Brincalhão!
Mas ela não ri
e diz horrorizada:
Ele tem sempre boa pontaria.
Regresso à concisão poética do inicio, para terminar esta curta viagem:
A minha mãe está a chorar
As suas lagrimas caem no céu
e fermentam a Via Láctea
As suas lagrimas caem no céu
e fermentam a Via Láctea
Acompanham os poemas pinturas do norte-americano Grant Wood (1891-1942).
Noticia bibliográfica
O Coelho do Amor, recolha poética com poemas de Gueorgui Gospodinov, provenientes dos livros Lapidarium (1992), A cerejeira e o povo (1996), prémio para o melhor livro do ano, Cartas a Gaustin (2003), e Os domingos no mundo, foi publicada por Roma Editora, Lisboa 2010.
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Fonte: http://viciodapoesia.wordpress.com/2013/07/16/amor-e-mais-poemas-de-gueorgui-gospodinov/
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