Eberth Vêncio*
O combinado com os assessores papais era que o papai aqui falaria com
o pontífice após a santa missa em Aparecida do Norte. Então, catei o
meu saco de pipocas tamanho dois reais (portas de igrejas que não
possuam pipoqueiros, cachorros decadentes, ou pombos defecando,
simplesmente não merecem a menor consideração deste energúmeno que vos
fala, ou melhor, vos escreve) e arrumei um cantinho no enorme templo,
embaixo de uma santa cuja vela de sete dias fumegava e, de tempos em
tempos, gotejava cera quente sobre a minha careca, especialmente quando
os meus pensamentos se desprendiam da cerimônia rumo às “pernas de louça
da moça que passa e eu não posso pegar”. Um sinal do Além? Castigo de Deus? Burrice minha ficar ali parado, a ser respingado por cera derretida?
Escrever para veículos de comunicação
relevantes tem dessas coisas. Mesmo sendo a ovelha mais desgarrada da
redação, um de seus articulistas mais desarticulado, fui escalado pelo
meu fervoroso editor católico (apesar de atuar no segmento carismático, o
sujeito é de uma antipatia que só) para cobrir a passagem do papa pelo
país. Penso que foi proposital, represália, uma espécie de penitência
para eu cumprir, um corretivo mais didático que suportar cinquenta
chibatadas com o sutiã da gorda Carol ou ler a autobiografia de Eike
Batista. Que canseira.
O protótipo de ateu saiu melhor que a
encomenda. Ainda mais: consegui uma entrevista exclusiva com o
mandatário maior da igreja. Sentia-me um cardeal, a cereja do bolo, a
hóstia consagrada da homilia. O papo papal rolou num portunhol
malarrumado (eu domino cerca de 50% do idioma português e canto meia
dúzia de clássicos do rock progressivo num inglês deveras regressivo) no
confessionário de número 666, onde a besta aqui sapecou as seguintes
perguntas, formuladas com o apoio dos universitários, da mamãe, do
editor carismático (um dos sujeitos mais animados nas missas das sete) e
da própria gorda Carol (uma jornalista fogosa com índice de massa
corporal acima de quarenta e que curte um sadomasoquismo brando, sem
sequelas ou curativos):
Eu — Papa Francisco (como tive vontade de chamá-lo de Chico), Vossa Santidade declarou aos jornalistas, durante a viagem, que Deus seria brasileiro. No duro?!
S.S. — (risos…
muitos risos… como ria aquele papa, ao contrário do antecessor Joseph
Ratzinger com a sua cara de Jack Torrance, do filme “O Iluminado”, de
Stanley Kubrick…) Sim. Só que o Maradona é argentino, meu caro.
Eu — É verdade que Vossa Santidade adora futebol e que, até mesmo, jogava bola, apesar de contar só com um dos pulmões?
S.S. — E ainda com um dos pés amarrado às costas… (risos, risos e mais risos… que sujeito boa praça, aquele argentino… nunca imaginei que um dia dissesse isto…)
Eu sempre gostei de multidões. Por causa do aleijão adquirido na minha
adolescência, não foi possível driblar adversários na cancha do San
Lorenzo, então, que fosse na Piazza di San Pietro. Vou instruir o meu
staff para ensinar aos peregrinos a fazerem a ola no Vaticano. Vai ser
maravilhoso. Deus aprecia ver o seu rebanho feliz.
Eu — Vossa Santidade acha que o Brasil tem mesmo condições de vencer a Copa do Mundo de Futebol em 2014?
S.S. — Prefiro não discutir temas polêmicos como futebol e política. Já religião, é comigo mesmo, é a minha praia. (risos, pra variar…)
Eu — Vossa Santidade é a
favor da importação de padres cubanos para atenderem aos brasileiros em
regiões carentes de fé, conforme pretende o desgoverno brasileiro pelo
“Programa Menos Céticos”?
S.S. — Mais do que
curar o corpo, meu filho, é primordial curar a alma. Senão, vejamos:
naquela cerimônia com autoridades no Rio de Janeiro, eu tive a mão
osculada, salivada por um sem número de pecadores comuns deste país.
Senadores mafiosos. Deputados mensaleiros. Ministros sinistros.
Prefeitos usurpadores. Enfim, o ambiente estava mais carregado que uma
daquelas reuniões a portas fechadas da Diretoria do Banco do Vaticano.
Então, lucubrei, a tentar compreender as reais intenções do desgoverno
brasileiro, e concluí: é preciso mesmo enviar padres cubanos para os
rincões desta abençoada, porém, sofrida nação tropical. Além de
acreditar no Pai, meu filho, é urgente que aquele povo sofrido acredite
em mudanças. Quer dizer, crer em Deus até que é fácil. Duro mesmo é
acreditar nos políticos… (gargalhamos até molharmos as batinas)
Eu — Vossa Santidade acha que o Presidente do Supremo não cumprimentou a Dilma de propósito?
S.S. — Não quero e não devo fazer intrigas. Afinal, eu sou o papa. Mas, para mim, pareceu uma descortesia ao supremo. (um papa fazendo trocadilhos engraçados já era demais…)
Eu — Embora certos prefeitos
jamais dispensem o uso de helicópteros, Vossa Santidade, mui
humildemente, num gesto de coragem, abriu mão do uso do papamóvel
blindado. Não teve medo de ser baleado, como ocorreu a JFK, Lee Oswald,
John Lennon, João Paulo II, Martin Luther King, MC Daleste e o caubói
John Wayne no filme “O Homem que Matou o Facínora”?
S.S. — Meu filho, no
fundo, no fundo, o que me preocupava não eram as balas direcionadas,
mas, as perdidas, pois sei que elas abundam ali, a ceifar as vidas de
adultos e crianças inocentes. Nem por isto eu vesti a batina à prova de
balas que me foi oferecida pelo BOPE.
Eu — Será possível que a
igreja católica, um dia, num futuro breve, quiçá durante o vosso papado,
tolerará o uso da penicilina para a cura gay, da camisinha com gola
tipo italiana, do cuspe nas relações homoafetivas, dos espermicidas nas
hortaliças de cenoura, das células tronco na Floresta Amazônica, da
punheta com fins pacíficos, do consumo parcimonioso de carne de porco
durante a quaresma, e da união estável entre párocos do mesmo sexo?
S.S. — Embora
jocosas na sua boca, estas são, realmente, algumas das mais atuais
demandas da sociedade no mundo inteiro. Penso que são pleitos a serem
mudados (ou não) ao longo do tempo, a cargo das futuras gerações, se o
mundo não acabar antes. Não estaremos vivos, meu filho, para
testemunharmos isso, como não estivemos vivos numa época nebulosa e
longínqua, quando a igreja tripudiou, trucidou, queimou as minorias e os
inimigos nas fogueiras de um passado bárbaro, do qual, há tempos, temos
nos desculpado, reiteradamente.
Eu — Pra acabar de vez com a entrevista e com o pequi de Goiás: Deus existe mesmo, Papa Francisco?
S.S. — (risos… mais risos que uma sessão secreta de deputados federais, a portas fechadas, no Congresso Nacional…) Quem não existe, é você, meu filho… Deus o abençoe…
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* Escritor. Médico.
Fonte: http://www.revistabula.com/665-a-fantastica-entrevista-com-o-papa/
Caricatura: Rodney Pike
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