Luiz Felipe Pondé*
As redes sociais, grande bacanal de narcisismo, são um prato cheio para sermos vigiados
Quando Obama disse que ninguém pode viver com segurança e privacidade
com 0% de inconveniência, pensei: Obama virou gente grande. Mas não foi
assim que o mundo reagiu. Quase todo mundo ficou horrorizado, e eu,
fiquei horrorizado com mais um show de infantilidade do mundo em que
vivemos. É um mundo "teenager" mesmo.
E por que o Brasil seria vigiado? Talvez porque suspeita-se que o Brasil
esteja na rota entre o dinheiro do crime internacional e terroristas. E
a América Latina está à beira de uma virada socialista, só não sabe
quem não quer ver. Corrupção, autoritarismo, gestão inepta da economia e
populismo sempre foram paixões secretas do socialismo.
A CPI do "Obamagate" é um truque nacionalista (tipo Guerra das Malvinas)
para desviar a atenção da nossa crise econômica, apesar de muitos
brincarem de revolução enquanto a economia vai para o saco nas mãos de
um governo que aumentou os gastos públicos com embaixadas em repúblicas
das bananas, criação de ministérios inúteis e "investimento" na
inadimplência como forma de ganhar votos.
A diferença entre um "teenager" (ainda que com PhD, PostDoc e
livre-docência) e alguém que sofre para ser um pouco menos "teenager" é
saber que o mundo não é preto e branco e que se você é responsável por
muitas coisas, você nem sempre vive com luvas de pelica.
O mundo é uma terra abandonada pelos deuses, e temos que nos virar com o
pouco que temos, a começar por uma espécie confusa como a nossa e que
ainda acredita em borboletas azuis como salvação da vida.
Não é bonito o que o Obama fez. Mas todo mundo que tem as
responsabilidades que o Obama tem faz coisas assim quando ocupa o lugar
do Obama.
Por muito menos, vigiamos a geladeira para ver quantos iogurtes tem, os
armários da cozinha para ver quantos sacos de açúcar tem, e as sacolas
das empregadas para ver se elas não estão levando algum pacotinho de
carne.
O mundo é um grande Big Brother, George Orwell acertou em cheio. A
diferença é que nosso mundo não é uma ditadura pré-histórica como a do
livro "1984", mas uma sociedade democrática que preserva direitos gays
ao mesmo tempo que quer saber se eu e você estamos envolvidos num ataque
a alguma embaixada no Mali ou que tipo de tênis e comida étnica
curtimos.
Nada disso é bonito, apenas é assim. Para manter as coisas funcionando,
pessoas tem que fazer coisas que não são muito bonitinhas. Eu sei que os
inteligentinhos facilmente entram em surto, mas que vão brincar no
parque, com segurança, de preferência.
As redes sociais, esse grande bacanal de narcisismo, são um prato cheio
para sermos vigiados. Sites nos dão nosso perfil de consumo e nossa
"linha da vida". Celulares nos avisam quando algo acontece em nossa
conta e em nosso cartão de crédito, e isso tudo é muito "prático", não?
Este evento revela a óbvia violência à privacidade que as redes sociais
significam. A ideia de que elas são uma ferramenta da democracia pode
ser uma ideia também infantil.
Além de elas serem um elemento de alto risco com relação a linchamentos e
violência espontânea, elas nos tornam vulneráveis de modo direto na
medida em que estar "na rede" significa estar dependente de uma "teia"
(de aranha) tecnológica de controle bastante vulnerável a tutela das
empresas que nos oferecem a própria ferramenta. Por isso o nome é TI,
tecnologias da informação.
Há muito se sabe que é mais fácil subornar um blogueiro do que um jornal
gigantesco (o blogueiro é mais barato...). Agora fica mais claro ainda
que a manipulação via redes sociais é muito maior do que via mídia
"clássica".
Todo mundo sabe que não pode marcar encontros amorosos ilegítimos via
e-mail ou mensagem de celular, como alguém fica escandalizado que a
internet não seja segura? Parece papo de falsa virgem de 50 anos.
Em breve esqueceremos isso e continuaremos a postar fotos, falar
bobagens, marcar revoluções no final de tarde e propor utopias que
requentam a falida autogestão. E viajar para fazer compras em Miami com
segurança e usando Visa.
Snowden, e seus 15 minutos, é mais um falso herói para falsos adultos.
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* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista da Folha.
ponde.folha@uol.com.brFonte: Folha on line, 22/07/2013
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