quarta-feira, 24 de julho de 2013

Minuano, literatura e teses que se vão com o vento

Juremir Machado da Silva*

 

Tolices requentadas


O sopro forte e gelado do minuano me faz pensar em literatura.

Penso no destino da literatura produzida no Rio Grande do Sul.

Tantos escritores com suas páginas jogadas ao vento.

Elas não vão muito longe.

Volta e meia, porém, achamos que somos ventos da Patagônia.

E buscamos explicações para o nosso inexistente sucesso.

No século XIX, algumas tolices ganharam dimensão científica. Entre elas, os chamados determinismos de raça e meio. O clima, por exemplo, determinaria comportamentos. Não poderia haver civilização nos trópicos. Eram preconceitos carimbados com um selo de sabedoria. No século XX, os pesquisadores trataram de desmontar essa tralha reacionária. Curiosamente parte delas tem voltado com aura de sofisticação. Durante muito tempo, machistas caracterizaram a mulher como naturalmente mais frágil, intuitiva e emocional. O homem seria racional.

Em nome da teoria dos gêneros, nova maneira de pensar a divisão por sexo, tem gente atribuindo à mulher características “naturais” como uma sensibilidade muito mais aguda.

Tolice.

Tudo é cultural.

Outra tolice é tentar explicar a literatura gaúcha pelo frio. Teríamos um grande número de escritores por causa do frio. Em primeiro lugar, não faz tanto frio assim por aqui. Uns dois meses no máximo e com muitos dias intercalados de temperaturas médias ou altas. Em segundo lugar, o número de grandes escritores nordestinos ao longo do tempo é muito maior do que o de escritores gaúchos. Temos bons autores. Nada mais do que isso. Não temos, hoje, nenhum capaz de emplacar nacional e internacionalmente a ponto de ser conhecido como um dia Erico Verissimo foi ou como Paul Auster ou Michel Houellebecq são em escala mundial. Por quê?

Essa é a questão.

Orgulhar-se do nosso friozinho e fazer dele uma matriz literária é uma hilária ilusão de grandeza.

Fria.  É verdade que neste momento estamos enfrentando um frio com vergonha na cara.

Boa parte dos nossos escritores pode ganhar prêmios, mas não vende mais de dois mil exemplares de um livro e não passa no teste de uma pesquisa nas ruas. Conhece o fulano? Não. Pode-se atribuir esse desconhecimento à “sociedade do espetáculo”, ao desinteresse pela leitura, à hegemonia da televisão e da internet ou à falta de cultura do povo brasileiro. Por que não temos um José Saramago, um Lobo Antunes, um Vargas Llosa? Quando um escritor vende mais livros por aqui é quase certo que tem espaço fixo na mídia. Qualquer leitor mais exigente e menos ufanista percebe que falta capacidade de universalização à maior parte dos nossos escritores. Fazem boas frases. Contam boas histórias. Não inventam um estilo. Não produzem novos pontos de vista. Não vão do singular ao universal.

Pode-se chegar ao universal pelo melhor e pelo pior. Só a universalização, porém, garante o interesse das pessoas. Paulo Coelho e Dan Brown atingem o universal pelo pior. É melhor do que permanecer no singular pelo pretenso melhor. O problema de quase todos os nossos escritores é que fazem literatura. O universal exige que se faça literatura sem que o leitor perceba. O mundo literário, como dizia o sociólogo Pierre Bourdieu, é um campo, uma estrutura estável, com dominante, dominados, troféus e regras. Os donos do campo buscam critérios para explicar as distinções que eles mesmos estabelecem. O frio é uma invenção literária. A Sibéria deveria ser um celeiro de grandes escritores. Os determinismos estão de volta. Deve ser consequência do determinismo tecnológico.

O minuano me deixa com as orelhas geladas.

A literatura produzida no Rio Grande do Sul não consegue aquecê-las.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 24/07/2013
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