[Ipea/SAE]
Na visão da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República (SAE/PR), não há melhor preditor disponível do futuro do país
que o universo das crianças e dos jovens de hoje. Aí incluindo as suas
respectivas tendências demográficas tratadas em detalhe na presente
pesquisa. A SAE acaba de assumir a presidência da Comissão Nacional de
População e Desenvolvimento (CNPD), indicando Ricardo Paes de Barros
para liderar os trabalhos. A pesquisa aqui apresentada é a primeira
realizada pela SAE após a criação da CNPD, tratando, não por
coincidência, de demografia e escolhendo o que talvez seja o tema
populacional mais intrigante de nosso tempo: a chamada onda jovem.
Pororoca Jovem - A pesquisa revela que o tamanho da
população jovem brasileira nunca foi, e nunca será, tão grande quanto o
de hoje, correspondendo a cerca de 50 milhões de pessoas na faixa entre
15 e 29 anos de idade, cerca de 26% de nossa população, proporção muito
próxima à média mundial. Na verdade, estes 50 milhões de jovens
brasileiros em ação correspondem a um “platô populacional” que começou
em 2003 e, por força de mudanças demográficas diversas atuando em
direções opostas, prolongará a onda até 2022, em formato de pororoca
jovem. Depois de celebrarmos o bicentenário de nossa independência, o
processo refluirá e a população jovem no Brasil cairá a uma velocidade
mais alta que a dos demais países, com exceção da China. O Brasil
precisa aproveitar ao máximo a longa duração da pororoca jovem para
impulsionar suas transformações sociais e econômicas nas direções
desejadas. Mas quais são as direções desejadas?
Não basta contar os mais jovens. Temos de fazer com que os jovens
contem mais. É necessário que a juventude nos conte o que pensa e o que
quer. A fim de empoderar na prática a juventude, ouvir é preciso. Não só
para atender os anseios da juventude de hoje, mas a fim de decifrar os
principais desafios ainda por vir do país. Os jovens são a principal
porta de entrada de inovações nos valores e nas aspirações de cada
sociedade, permitindo antecipar no tempo a formação do pensamento geral
da nação. Exploro aqui um pouco as mensagens dos jovens brasileiros
através de trailer de pesquisa sobre aspirações e valores da juventude.
Prioridades – Deciframos as principais prioridades
em pesquisa domiciliar do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) que foi a campo em maio de 2013, consultando mais de 10 mil
pessoas numa amostra representativa do país como um todo, e pediu para
cada entrevistado escolher, entre 16 temas, quais são suas seis – e
apenas seis – maiores prioridades. O modelo de perguntas utilizado vem
da pesquisa Meu Mundo (My World), levada a cabo por agência das Nações
Unidas em diversas partes do globo, o que permite comparabilidade
internacional dos nossos resultados. O objetivo é subsidiar a definição
das novas Metas do Milênio (Post-2015 Development Goals).
A mais alta prioridade dos jovens brasileiros é a educação de
qualidade: 85,2% dos brasileiros de 15 a 29 anos elencaram esta opção
entre as seis mais importantes dos 16 temas apresentados. Serviços de
saúde (82,7%) foram a segunda opção mais apontada. Na população adulta
não jovem, isto é, aqueles como 30 anos ou mais de idade, as duas
maiores prioridades são as mesmas, mas em ordem invertida: saúde
(86,6%), seguida de educação (80,5%). Na pesquisa mundial feita na
internet pelas Nações Unidas, a ordem de prioridades se conforma com a
dos jovens brasileiros.
Na sequência dos jovens, temos alimentação de qualidade (70,1%) como
terceira menção mais frequente, fechando o pódio das prioridades da
juventude brasileira. Incidentalmente, esses três elementos representam,
no campo das políticas públicas, os três componentes do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Governo honesto e atuante aparece
como a quarta prioridade dos jovens no Brasil, com 63,5%. Na população
global consultada na internet, esta é a terceira prioridade, seguida de
oportunidades de trabalho, que, num certo sentido, desempenha a função
de renda do IDH – no sentido de geração de renda, ao passo que
alimentação de qualidade representa a prioridade de gasto da mesma
renda.
Agenda Jovem – No fundo, as agendas jovem e não
jovem do país não estão tão desconectadas na escolha de prioridades.
Utilizamos a pesquisa para contrastar quais são as prioridades dos
jovens brasileiros vis-à-vis os adultos não jovens da sociedade. A
chamada agenda jovem se refere àqueles elementos que são relativamente
mais importantes para eles do que para aqueles com 30 anos ou mais.
Note-se que não falamos do que é prioridade para os jovens, o que será
tratado mais adiante, mas da dissonância entre a agenda elencada pelos
jovens em relação à dos adultos não jovens. Esse contraste nos permite
identificar possíveis conflitos de gerações e, portanto, possíveis
razões para protestos juvenis.
Vamos à análise dos números: a maior diferença está na importância
dada à educação de qualidade (4,7% mais naqueles entre 15 e 29 anos
vis-à-vis aqueles com 30 anos ou mais), eliminação do preconceito e da
discriminação (3,6 p.p. mais), melhoria nos transportes e estradas (3
p.p. mais), melhores oportunidades de trabalho (3 p.p. mais), liberdades
políticas (2,4 p.p. mais), acesso a telefone e internet (1,8 p.p. mais)
e proteção a florestas, rios e oceanos (0,9 p.p. mais). A maior
importância atribuída pelos jovens à educação e às oportunidades de
trabalho é natural nessa fase do ciclo de vida. Estudo, desemprego e
busca de liberdade política são elementos marcantes dos jovens de muitas
gerações. Elementos da nova geração – isto é, dos jovens de hoje, mas
não necessariamente dos jovens de décadas passadas – são combate à
discriminação, defesa do meio ambiente e acesso à internet. A ênfase
dada a este último elemento, de conectividade digital, e à mobilidade
urbana coincidem com o meio e o fim a partir dos quais os protestos de
junho no Brasil inicialmente eclodiram.
Agenda Antiga – Similarmente, podemos elencar os
principais pontos da agenda não jovem, isto é, elementos que pesam
relativamente mais nas prioridades daqueles com 30 anos ou mais. Nesse
caso, a agenda é acesso a alimentos de qualidade (6 p.p. menos para os
jovens), melhoria dos serviços de saúde (4,7 p.p. menos), proteção
contra o crime e a violência (3,4 p.p. menos), apoio às pessoas que não
podem trabalhar (2,8 p.p. menos), governo honesto e atuante (2,2 p.p.
menos), acesso à água potável e ao saneamento (1,2 p.p. menos) e
igualdade entre homens e mulheres (0.8 p.p. menos).
Como diz a música dos Titãs, jovens não querem só comida, ao passo
que saúde e aposentadoria são questões que afligem mais os mais velhos.
Igualdade de gênero se destaca mais nas faixas etárias mais avançadas,
em que a população feminina, mais longeva, supera especialmente a
masculina. Outros integrantes da agenda mais antiga, talvez pela
incapacidade de sucessivos governos endereçá-las, são violência,
corrupção e saneamento básico.
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Artigo de Marcelo Neri
Foto: Marcos Santos/USP Imagem
Leia a publicação “Juventude Levada em Conta”Fonte: EcoDebate, 23/07/2013
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