Mauricio Stycer*
Para além da diversão (ou não) que oferecem, novelas influenciam, fazem pensar, confundem
Sempre que escrevo sobre novelas, aqui na Folha ou em meu blog, surgem
leitores para criticar minha preocupação com o assunto. "É só uma
novela", costumam bradar, querendo dizer: "é ficção", "não tem
importância", "é uma bobagem".
Acho curioso ver gente ignorar o lugar que a novela ocupa na vida do
brasileiro. Para além da diversão (ou não) que oferecem, novelas
influenciam, fazem pensar, confundem.
"Sangue Bom", exibida pela Globo às 19h30, é um bom exemplo. Minha
favorita entre as que estão no ar, a trama de Maria Adelaide Amaral e
Vincent Villari trata de um assunto não exatamente original, mas
extremamente atual, a obsessão pela imagem e pela fama.
Com extremo bom humor, e uma penca de personagens caricatos, a novela
desce a minúcias para mostrar como se constrói artificialmente a
celebridade. Recentemente, um jovem ator, Filipinho (Josafá Filho), foi
acusado de ser gay por uma fã rejeitada. Em torno disso, os autores
desenvolveram uma sequência de acontecimentos ilustrativos.
"Um galã não pode dar pinta. Se suas fãs desconfiarem que você é gay, a
sua carreira já era", explicou Tábata (Samya Pascotto), empresária de
Filipinho, preocupada com o escândalo. "Posso dar um conselho: arruma
uma namworada".
O "perigo", a novela explica, é que "nesse meio, tudo o que parece, é!"
Entra em cena, então, a Mulher Mangaba (Ellen Rocche), uma cantora de
funk cujo maior talento é a sensualidade. Contratada para namorar
Filipinho, ela combina com um fotógrafo registrar, escondido, imagens de
um encontro dela com o rapaz.
Maria Adelaide e Villari têm, claramente, uma visão crítica desse mundo.
Mais, parecem se divertir envolvendo seus personagens numa trama que
conta, também, com uma diva decadente da televisão, Barbara Ellen
(Giulia Gam), armando situações para aparecer a todo custo, com a ajuda
de uma repórter enxerida, Sueli Pedrosa (Tuna Dwek), além de um dono de
agência de publicidade boçal, Natan (Bruno Garcia), e um programa para
ricos e famosos, chamado "Luxury", entre outros elementos típicos.
Nenhum autor de novela ignora o poder que tem em mãos, como disse
claramente Ricardo Linhares, autor de "Saramandaia", numa entrevista
recente ao blog da jornalista Maíra Kubík Mano: "As novelas refletem o
momento em que estamos vivendo. São um espelho da sociedade. Não impõem
mudanças de comportamento. Mas os autores que são progressistas podem
abordar movimentos e transformações que já estão embrionários na
sociedade e ampliá-los, com a discussão na ficção. Assim, os temas
passam a ser discutidos também no outro lado da telinha."
Linhares tratou, de forma bastante progressista, do tema do aborto na
novela. "Eu acho um absurdo o aborto não poder ser feito às claras, em
clínicas boas. A mulher é dona do próprio corpo, é a gente que decide se
quer ter o filho ou não", disse a personagem Stela (Laura Neiva).
A cena foi vista como um contraponto ao texto de Walcy Carrasco,
colocado na boca do médico Cesar (Antonio Fagundes), num dos primeiros
capítulos de "Amor à Vida". Ao recusar o pedido de uma paciente, que
queria fazer um aborto, argumentou: "Para mim, um bebê é a prova mais
concreta que Deus existe".
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* Colunista da Folha
mauriciostycer@uol.com.br
Fonte: Folha on line, 28/07/2013
Imagem da internet : Personagens da Novela Sangue Bom
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