segunda-feira, 22 de julho de 2013

Como não gostar do Papa Francisco?

 Paulo Ghiraldelli*
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Teologia da Prosperidade (TP) é como Funk da Ostentação (FO). Coisas assim nascem próximas da morte. Após alguns dias de atração, caem em desgraça e esquecimento. É coisa de “novo rico” ou daquele que nem rico é, mas conseguiu uns trocados a mais do que o desgraçado que está ao seu lado. Ambas, TP e FO possuem o mesmo Deus – o dinheiro – e o mesmo objetivo: fazer crer que não existe “massa”, que ainda é possível falar ao menos em um arremedo de “self made man”. Dado que o liberalismo – a doutrina do culto ao indivíduo – não está morto, que tem trânsito no senso comum, esse objetivo da TP e da FO não é pouca coisa.

Ambas, Teologia da Prosperidade e Funk da Ostentação terminam por matar o que foi morto na entrada, Deus. Trata-se da morte de Deus no sentido filosófico, anunciada por Nietzsche, ou, mais acertadamente, da chegada da notícia dessa morte em terrenos populares. Um mundo em que os pensadores deixaram de lado a metafísica trocando-a pela ciência – eis aí a vitória do positivismo no século XIX – é um lugar em que o absoluto não interessa mais à razão, o que leva os intelectuais a não terem mais como não ver que Deus é defunto. Ora, se os intelectuais assim constatam então esse mundo é um mundo em que os ricos logo deixarão Deus ficar sossegado em sua cova, e, em seguida, também assim agirão, por imitação, os que pretendem ser ricos ou ao menos fingir que são.

Funk da Ostentação é hino da Teologia da Prosperidade. É o verdadeiro hino, o autêntico e sincero folguedo de uma doutrina que não tem nenhuma teoria mais sofisticada que não possa caber em uma só frase: tempo não é dinheiro, é o dinheiro que é dono do tempo.

Todas as igrejas evangélicas caça-níqueis funcionam dentro da seguinte lógica: mostram abertamente aos fiéis os pastores se enriquecendo e, portanto, como que confirmando que “Jesus salva”. Nenhum fiel se sente responsável pela fortuna do pastor. Ele a conquistou porque está com Jesus. Nenhum fiel pode acreditar que o pouco que ele dá, mesmo sendo muito para ele, pode fazer diferença na conta bancária do pastor. Afinal, diz o fiel, quando conheci o pastor ele já tinha uma “boa aparência”, já era uma “pessoa predestinada”. Desse modo, é fácil, para o tipo de funcionamento mental do fiel, entender que ele é o contribuinte e que ao mesmo tempo em  que perde dinheiro para a igreja irá se tornar rico. Além do mais, o dízimo é para manter a igreja de Deus, é para não deixar Jesus sem morada na Terra. Perder a morada de Jesus desabriga não só o homem-Deus, mas também todos aqueles desgarrados que, de alguma forma, foram expulsos da religião pela Igreja Católica, ou eles mesmos ou seus pais ou algum parente.

Quando foi que a Igreja Católica expulsou tais pessoas? Quando imaginou que podia ser uma única Igreja. Imaginou poder ser uma Igreja Progressista e depois imaginou poder ser uma Igreja Carismática. A Igreja não pode promover uma corrente somente, ela precisa de uma doutrina suficientemente abstrata de modo que o Deus católico se mantenha católico, ou seja, universal, e possa chamar todo tipo de pessoa. Modernamente: a Igreja deve funcionar no reino do abstrato que, diga-se de passagem, é o reino daquele que muitos dizem ser a verdadeira divindade, o dinheiro. O dinheiro é número. Então, para Deus competir com ele tem de ser tão desqualificado quanto o número. Sem qualidades, Deus acolhe todos, uma vez que não impõe nenhuma semelhança específica aos homens em relação ele mesmo. Eles não precisam ser como Deus para serem homens e para ficarem acolhidos na Igreja. Os evangélicos souberam fazer isso. Os católicos, herdeiros de uma Igreja intelectualizada e, por isso, ideologizada, não souberam abandonar de vez a filosofia – em especial o Humanismo – e adotar um Deus tão sem qualidades quanto o Deus verdadeiro que é o dinheiro. Os católicos vieram com “doutrina social” nos anos sessenta, depois, ficaram brigando nos anos 80 para ver se a Teologia da Libertação (TL) iria ou não dominar a Igreja. Os adeptos da Teologia da Libertação foram derrotados. Mas os conservadores não levaram. Estes, ainda eram intelectuais – de certa forma até mais que os da TL. Ressurgiram os carismáticos, que prometiam poder enfrentar as igrejas caça-níqueis. Talvez pudessem mesmo, mas a que preço? O resultado desse embate todo deu no que deu: escândalo, perda de fiéis, renúncia, de um lado. De outro lado, mais perdas de fiéis.

Francisco vem para administrar tudo isso – ufa! Para ganhar forças contra kriptonitas que não param de chegar, precisa do vizinho. Não mais de algum vizinho de Roma, mas do vizinho da sua terra natal. Francisco precisa do país onde há a maior concentração de católicos do mundo e falando uma mesma língua: o Brasil. Francisco sabe que os ricos, como os novos ricos e os funkeiros que cantam o hino do novo rico, não precisam de Deus. Rico moderno não precisa de Deus.  Quem precisa de Deus é o pobre.

Todavia, Francisco sabe bem que toda leitura marxista já introduzida na Igreja Católica foi um erro. Ele sabe isso porque ele é franciscano. Ele acredita que a Igreja já possui seus próprios heróis, que não precisa importar heróis do campo materialista. A Igreja precisa trazer para si os pobres, os que podem querer Deus, mas com apelos que sejam não tão imbecilizantes quanto os dos carismáticos, nem tão sociológicos quanto os da TL, e também não tão mágicos e escancaradamente mercadorizados da TP.

Francisco anunciou bem: “a Igreja não será babá de ninguém”. Essa sua igreja é novamente a casa dos pobres? Sim, é isso que ele quer. Mas ele vai tentar trazer para si os pobres por meio de um processo de decisão do indivíduo. Este, por sua vez, deverá manter-se nela, talvez, antes pela história da Igreja e pelo seu poder simbólico que por qualquer outra coisa. Mas, é claro, o poder simbólico passa pela presença de Deus. Pobres precisam de um pai. Um pai poderoso é o Deus católico. O Deus dos evangélicos é um Deus que se ajoelha diante de um outro deus, o dinheiro. O Deus dos católicos não faz isso. O Deus dos católicos não se ajoelha, ele às vezes abaixa os olhos somente, mas faz isso diante de algo menos personalizável que o dinheiro, e sim o poder em geral. O poder também é o que pode ser abstrato e, de certo modo, engole o dinheiro. O dinheiro é uma forma do poder.

Desse modo, Francisco está no trilho que fez o sucesso das igrejas evangélicas. Ele está tentando resgatar, de um modo específico, mais sutil que o até agora mostrado por evangélicos, o apelo ao abstrato que permite que cada um se identifique com a Igreja e sinta aquilo que em nossos tempos é necessário sentir, a força de ser um indivíduo, uma pessoa, alguém semelhante ao self made man, mas sem ser propriamente alguém que precise do dinheiro para assim se considerar. O necessário é se integrar no poder ou mostrar ter algum poder. Um poder que é poder verbo, não só poder substantivo. O poder fazer. Isso dá destaque. E isso é mais fácil de ser conseguir que o dinheiro. Pois o poder fazer é algo que possui graus. Todos podem saber fazer algo e se sentirem indivíduos, pessoas. Essa realização no campo do pequeno, que é tipicamente franciscana, não deixa de apelar para algo que é abstrato – o poder – e ao mesmo tempo concretamente particular, a habilidade que se tem ou que se conquista na infância ou na juventude ou até depois.

Francisco sabe o que faz. E ele está talhado para o cargo. Francisco vai testar seu liberalismo na sua missão de arrebanhar os pobres. O Brasil é o melhor lugar para iniciar essa tarefa.
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* Filósoo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/como-nao-gostar-do-papa-francisco/

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