Paulo Ghiraldelli*
Teologia da Prosperidade (TP) é como
Funk da Ostentação (FO). Coisas assim nascem próximas da morte. Após
alguns dias de atração, caem em desgraça e esquecimento. É coisa de
“novo rico” ou daquele que nem rico é, mas conseguiu uns trocados a mais
do que o desgraçado que está ao seu lado. Ambas, TP e FO possuem o
mesmo Deus – o dinheiro – e o mesmo objetivo: fazer crer que não existe
“massa”, que ainda é possível falar ao menos em um arremedo de “self
made man”. Dado que o liberalismo – a doutrina do culto ao indivíduo –
não está morto, que tem trânsito no senso comum, esse objetivo da TP e
da FO não é pouca coisa.
Ambas, Teologia da Prosperidade e Funk
da Ostentação terminam por matar o que foi morto na entrada, Deus.
Trata-se da morte de Deus no sentido filosófico, anunciada por
Nietzsche, ou, mais acertadamente, da chegada da notícia dessa morte em
terrenos populares. Um mundo em que os pensadores deixaram de lado a
metafísica trocando-a pela ciência – eis aí a vitória do positivismo no
século XIX – é um lugar em que o absoluto não interessa mais à razão, o
que leva os intelectuais a não terem mais como não ver que Deus é
defunto. Ora, se os intelectuais assim constatam então esse mundo é um
mundo em que os ricos logo deixarão Deus ficar sossegado em sua cova, e,
em seguida, também assim agirão, por imitação, os que pretendem ser
ricos ou ao menos fingir que são.
Funk da Ostentação é hino da Teologia da
Prosperidade. É o verdadeiro hino, o autêntico e sincero folguedo de
uma doutrina que não tem nenhuma teoria mais sofisticada que não possa
caber em uma só frase: tempo não é dinheiro, é o dinheiro que é dono do tempo.
Todas as igrejas evangélicas
caça-níqueis funcionam dentro da seguinte lógica: mostram abertamente
aos fiéis os pastores se enriquecendo e, portanto, como que confirmando
que “Jesus salva”. Nenhum fiel se sente responsável pela fortuna do
pastor. Ele a conquistou porque está com Jesus. Nenhum fiel pode
acreditar que o pouco que ele dá, mesmo sendo muito para ele, pode fazer
diferença na conta bancária do pastor. Afinal, diz o fiel, quando
conheci o pastor ele já tinha uma “boa aparência”, já era uma “pessoa
predestinada”. Desse modo, é fácil, para o tipo de funcionamento mental
do fiel, entender que ele é o contribuinte e que ao mesmo tempo
em que perde dinheiro para a igreja irá se tornar rico. Além do mais, o
dízimo é para manter a igreja de Deus, é para não deixar Jesus sem
morada na Terra. Perder a morada de Jesus desabriga não só o homem-Deus,
mas também todos aqueles desgarrados que, de alguma forma, foram
expulsos da religião pela Igreja Católica, ou eles mesmos ou seus pais
ou algum parente.
Quando foi que a Igreja Católica
expulsou tais pessoas? Quando imaginou que podia ser uma única Igreja.
Imaginou poder ser uma Igreja Progressista e depois imaginou poder ser
uma Igreja Carismática. A Igreja não pode promover uma corrente somente,
ela precisa de uma doutrina suficientemente abstrata de modo que o Deus
católico se mantenha católico, ou seja, universal, e possa chamar todo
tipo de pessoa. Modernamente: a Igreja deve funcionar no reino do
abstrato que, diga-se de passagem, é o reino daquele que muitos dizem
ser a verdadeira divindade, o dinheiro. O dinheiro é número. Então, para
Deus competir com ele tem de ser tão desqualificado quanto o número.
Sem qualidades, Deus acolhe todos, uma vez que não impõe nenhuma
semelhança específica aos homens em relação ele mesmo. Eles não precisam
ser como Deus para serem homens e para ficarem acolhidos na Igreja. Os
evangélicos souberam fazer isso. Os católicos, herdeiros de uma Igreja
intelectualizada e, por isso, ideologizada, não souberam abandonar de
vez a filosofia – em especial o Humanismo – e adotar um Deus tão sem
qualidades quanto o Deus verdadeiro que é o dinheiro. Os católicos
vieram com “doutrina social” nos anos sessenta, depois, ficaram brigando
nos anos 80 para ver se a Teologia da Libertação (TL) iria ou não
dominar a Igreja. Os adeptos da Teologia da Libertação foram derrotados.
Mas os conservadores não levaram. Estes, ainda eram intelectuais – de
certa forma até mais que os da TL. Ressurgiram os carismáticos, que
prometiam poder enfrentar as igrejas caça-níqueis. Talvez pudessem
mesmo, mas a que preço? O resultado desse embate todo deu no que deu:
escândalo, perda de fiéis, renúncia, de um lado. De outro lado, mais
perdas de fiéis.
Francisco vem para administrar tudo isso
– ufa! Para ganhar forças contra kriptonitas que não param de chegar,
precisa do vizinho. Não mais de algum vizinho de Roma, mas do vizinho da
sua terra natal. Francisco precisa do país onde há a maior concentração
de católicos do mundo e falando uma mesma língua: o Brasil. Francisco
sabe que os ricos, como os novos ricos e os funkeiros que cantam o hino
do novo rico, não precisam de Deus. Rico moderno não precisa de Deus.
Quem precisa de Deus é o pobre.
Todavia,
Francisco sabe bem que toda leitura marxista já introduzida na Igreja
Católica foi um erro. Ele sabe isso porque ele é franciscano. Ele
acredita que a Igreja já possui seus próprios heróis, que não precisa
importar heróis do campo materialista. A Igreja precisa trazer para si
os pobres, os que podem querer Deus, mas com apelos que sejam não tão
imbecilizantes quanto os dos carismáticos, nem tão sociológicos quanto
os da TL, e também não tão mágicos e escancaradamente mercadorizados da
TP.
Francisco anunciou bem: “a Igreja não
será babá de ninguém”. Essa sua igreja é novamente a casa dos pobres?
Sim, é isso que ele quer. Mas ele vai tentar trazer para si os pobres
por meio de um processo de decisão do indivíduo. Este, por sua vez,
deverá manter-se nela, talvez, antes pela história da Igreja e pelo seu
poder simbólico que por qualquer outra coisa. Mas, é claro, o poder
simbólico passa pela presença de Deus. Pobres precisam de um pai. Um pai
poderoso é o Deus católico. O Deus dos evangélicos é um Deus que se
ajoelha diante de um outro deus, o dinheiro. O Deus dos católicos não
faz isso. O Deus dos católicos não se ajoelha, ele às vezes abaixa os
olhos somente, mas faz isso diante de algo menos personalizável que o
dinheiro, e sim o poder em geral. O poder também é o que pode ser
abstrato e, de certo modo, engole o dinheiro. O dinheiro é uma forma do
poder.
Desse modo, Francisco está no trilho que
fez o sucesso das igrejas evangélicas. Ele está tentando resgatar, de
um modo específico, mais sutil que o até agora mostrado por evangélicos,
o apelo ao abstrato que permite que cada um se identifique com a Igreja
e sinta aquilo que em nossos tempos é necessário sentir, a força de ser
um indivíduo, uma pessoa, alguém semelhante ao self made man,
mas sem ser propriamente alguém que precise do dinheiro para assim se
considerar. O necessário é se integrar no poder ou mostrar ter algum
poder. Um poder que é poder verbo, não só poder substantivo. O poder fazer.
Isso dá destaque. E isso é mais fácil de ser conseguir que o dinheiro.
Pois o poder fazer é algo que possui graus. Todos podem saber fazer algo
e se sentirem indivíduos, pessoas. Essa realização no campo do pequeno,
que é tipicamente franciscana, não deixa de apelar para algo que é
abstrato – o poder – e ao mesmo tempo concretamente particular, a
habilidade que se tem ou que se conquista na infância ou na juventude ou
até depois.
Francisco sabe o que faz. E ele está
talhado para o cargo. Francisco vai testar seu liberalismo na sua missão
de arrebanhar os pobres. O Brasil é o melhor lugar para iniciar essa
tarefa.
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* Filósoo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/como-nao-gostar-do-papa-francisco/
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