quinta-feira, 25 de julho de 2013

“Acredito que o Papa fará um chamado aos políticos para que evitem a corrupção”

ENTREVISTA: LEONARDO BOFF

 

Crítico como poucos do Vaticano e dos dois últimos Papas, que o obrigaram a pendurar o hábito após vários castigos, o teólogo e ex-sacerdote brasileiro Leonardo Boff comemora a presença do Papa Francisco no Brasil.

Por Augusto Assía

Ele considera o pontífice um expoente da Teologia da Libertação, que ele próprio fundou.
Em seu retiro em Petrópolis, Boff se dedica a promover os direitos humanos e uma nova relação entre o homem e a ecologia.
É também um agudo observador das mudanças na Igreja “depois do rigoroso inverno” de Bento 16, explica em uma entrevista com o Clarín.
Boff avalia positivamente os protestos de rua no Brasil, que ameaçam a visita papal, porque agitaram uma democracia corrupta e “de baixa intensidade” crítica.

Como o senhor avalia estes primeiros quatro meses de Francisco à frente da Igreja?

O Papa criou uma atmosfera de alívio, de esperança e de otimismo na Igreja. Ele consegue isso pelo fato de ser uma pessoa simples, despojada de todo poder, sensível aos pobres e crítico do sistema financeiro que martiriza países inteiros. Estamos saindo de um rigoroso inverno eclesial rumo a uma primavera de esperança.

Alguns acham que este é um Papa bom para dar títulos, mas que faltam a ele ações concretas.

O Papa tem que tomar consciência da situação de grave crise da Igreja. Ele sozinho não conseguiria reformar a Cúria, que tem mais de mil anos de existência e sabe criar resistências, atrasar projetos e criar antipoderes. Por isso ele se rodeou de 8 cardeais que vão presidir a Igreja de maneira colegiada, junto com o Papa, e começar a reforma. Mas ele já manifestou sua intervenção do Banco do Vaticano (IOR) mandando para a prisão um de seus altos funcionários, que estava trazendo 20 milhões de euros da Suíça num avião.

O Papa será capaz de mudar as velhas estruturas?
Talvez a forma mais eficiente da reforma seja descentralizar a Cúria. Por que o dicastério (ministério) das missões tem que estar em Roma? Pode muito bem estar na Ásia, o dos direitos humanos na América Latina, o do diálogo das culturas na África e o do Ecumenismo em Genebra. 

O senhor acredita que o Papa será receptivo ao movimento de indignados do Brasil e aos protestos nas ruas?
O Papa já disse: os políticos têm que escutar a voz que vem das ruas; a causa dos jovens é legítima e justa e está em conformidade com o Evangelho. Acredito que o Papa fará um apelo aos políticos para que sejam transparentes, evitem a corrupção e favoreçam a participação do povo. Pedirá aos jovens que utilizem sua energia não só para resgatar a credibilidade da Igreja, mas também para melhorar e transformar a sociedade.

Como o senhor avalia os protestos da juventude brasileira?
É uma expressão de saturação da política convencional, cheia de corrupção e distante do povo. Os avanços sociais dos governos de Lula e Dilma foram naturalizados. Ou seja, já são conquistas tranquilas. Mas o povo quer mais: mais direitos, saúde, educação, transporte de qualidade. No fundo querem fundar novamente a democracia que, devido às desigualdades, é uma democracia de baixa intensidade.

O que resta da Teologia da Libertação? O Papa Francisco é um expoente tolerável da Teologia da Libertação?
Enquanto houver pobreza, que significa opressão, sempre haverá alguém que levantará a bandeira da libertação a partir do Evangelho e da prática de Jesus. O papa Francisco, até agora, assumiu as teses principais da Teologia da Libertação. Ele pertencia à vertente argentina da Teologia da Libertação, que é a Teologia da Cultura Popular ou da Teologia do Povo, como seu principal protagonista, Juan Carlos Sacanone, confessou, porque Bergoglio foi aluno dele.

O senhor vinculou a ecologia e a ética como respostas a um mundo moderno. O Brasil é compatível com ambos os temas?

Eu pertenço ao grupo que redigiu a Carta da Terra sob a direção de Gorbachov e outros. Para mim é um dos documentos mais importantes do princípio do século XXI. Vejo a necessidade de mudar o paradigma da civilização porque esta que temos, com sua voracidade de acumulação e de consumo, está destruindo as bases que sustentam a vida na Terra. Chegamos ao ponto mais fundo. O sistema mundial capitalista não pode se auto-reproduzir porque a natureza já não permite. Se continuarmos nesta direção iremos ao encontro de uma catástrofe sócio-ambiental de graves consequências. O objetivo é ter uma relação diferente com a Terra, respeitar seus limites e ter uma produção que respeite os ritmos da natureza, um consumo solidário e de uma sobriedade compartilhada.

Como o senhor define o momento do Brasil em relação ao catolicismo?

O Brasil continua sendo o país mais católico do mundo. Mas passou de 83% a 67% da população devido à penetração das igrejas evangélicas. Mas o nosso catolicismo não é de natureza doutrinal, mas cultural. O povo brasileiro é muito sincrético e pode pertencer a muitas vertentes religiosas: se sente católico, mas frequenta as celebrações evangélicas, vai ao centro dos cultos afrobrasileiros, visita um centro espiritista. A pressuposição é que todos têm algo de bom e que ao caminhar em direção a Deus é possível somar muitas coisas.

E existe também o auge do movimento evangélico.

Em grande parte o auge do movimento evangélico se deve ao fracasso institucional da Igreja Católica.
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Fonte:  http://www.clarin.com/br/

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