ENTREVISTA: LEONARDO BOFF
Crítico como poucos do Vaticano e dos dois últimos Papas, que o obrigaram a pendurar o hábito após vários castigos, o teólogo e ex-sacerdote brasileiro Leonardo Boff comemora a presença do Papa Francisco no Brasil.
Por Augusto Assía
Ele considera o pontífice um expoente da Teologia da Libertação, que ele próprio fundou.
Em seu retiro em Petrópolis, Boff se dedica a promover os direitos humanos e uma nova relação entre o homem e a ecologia.
É
também um agudo observador das mudanças na Igreja “depois do rigoroso
inverno” de Bento 16, explica em uma entrevista com o Clarín.
Boff avalia positivamente os protestos de rua no
Brasil, que ameaçam a visita papal, porque agitaram uma democracia
corrupta e “de baixa intensidade” crítica.
Como o senhor avalia estes primeiros quatro meses de Francisco à frente da Igreja?
O
Papa criou uma atmosfera de alívio, de esperança e de otimismo na
Igreja. Ele consegue isso pelo fato de ser uma pessoa simples, despojada
de todo poder, sensível aos pobres e crítico do sistema financeiro que
martiriza países inteiros. Estamos saindo de um rigoroso inverno
eclesial rumo a uma primavera de esperança.
Alguns acham que este é um Papa bom para dar títulos, mas que faltam a ele ações concretas.
O
Papa tem que tomar consciência da situação de grave crise da Igreja.
Ele sozinho não conseguiria reformar a Cúria, que tem mais de mil anos
de existência e sabe criar resistências, atrasar projetos e criar
antipoderes. Por isso ele se rodeou de 8 cardeais que vão presidir a
Igreja de maneira colegiada, junto com o Papa, e começar a reforma. Mas
ele já manifestou sua intervenção do Banco do Vaticano (IOR) mandando
para a prisão um de seus altos funcionários, que estava trazendo 20
milhões de euros da Suíça num avião.
O Papa será capaz de mudar as velhas estruturas?
Talvez
a forma mais eficiente da reforma seja descentralizar a Cúria. Por que o
dicastério (ministério) das missões tem que estar em Roma? Pode muito
bem estar na Ásia, o dos direitos humanos na América Latina, o do
diálogo das culturas na África e o do Ecumenismo em Genebra.
O senhor acredita que o Papa será receptivo ao movimento de indignados do Brasil e aos protestos nas ruas?
O
Papa já disse: os políticos têm que escutar a voz que vem das ruas; a
causa dos jovens é legítima e justa e está em conformidade com o
Evangelho. Acredito que o Papa fará um apelo aos políticos para que
sejam transparentes, evitem a corrupção e favoreçam a participação do
povo. Pedirá aos jovens que utilizem sua energia não só para resgatar a
credibilidade da Igreja, mas também para melhorar e transformar a
sociedade.
Como o senhor avalia os protestos da juventude brasileira?
É
uma expressão de saturação da política convencional, cheia de corrupção
e distante do povo. Os avanços sociais dos governos de Lula e Dilma
foram naturalizados. Ou seja, já são conquistas tranquilas. Mas o povo
quer mais: mais direitos, saúde, educação, transporte de qualidade. No
fundo querem fundar novamente a democracia que, devido às desigualdades,
é uma democracia de baixa intensidade.
O que resta da Teologia da Libertação? O Papa Francisco é um expoente tolerável da Teologia da Libertação?
Enquanto
houver pobreza, que significa opressão, sempre haverá alguém que
levantará a bandeira da libertação a partir do Evangelho e da prática de
Jesus. O papa Francisco, até agora, assumiu as teses principais da
Teologia da Libertação. Ele pertencia à vertente argentina da Teologia
da Libertação, que é a Teologia da Cultura Popular ou da Teologia do
Povo, como seu principal protagonista, Juan Carlos Sacanone, confessou,
porque Bergoglio foi aluno dele.
O senhor vinculou a ecologia e a ética como respostas a um mundo moderno. O Brasil é compatível com ambos os temas?
Eu
pertenço ao grupo que redigiu a Carta da Terra sob a direção de
Gorbachov e outros. Para mim é um dos documentos mais importantes do
princípio do século XXI. Vejo a necessidade de mudar o paradigma da
civilização porque esta que temos, com sua voracidade de acumulação e de
consumo, está destruindo as bases que sustentam a vida na Terra.
Chegamos ao ponto mais fundo. O sistema mundial capitalista não pode se
auto-reproduzir porque a natureza já não permite. Se continuarmos nesta
direção iremos ao encontro de uma catástrofe sócio-ambiental de graves
consequências. O objetivo é ter uma relação diferente com a Terra,
respeitar seus limites e ter uma produção que respeite os ritmos da
natureza, um consumo solidário e de uma sobriedade compartilhada.
Como o senhor define o momento do Brasil em relação ao catolicismo?
O
Brasil continua sendo o país mais católico do mundo. Mas passou de 83% a
67% da população devido à penetração das igrejas evangélicas. Mas o
nosso catolicismo não é de natureza doutrinal, mas cultural. O povo
brasileiro é muito sincrético e pode pertencer a muitas vertentes
religiosas: se sente católico, mas frequenta as celebrações evangélicas,
vai ao centro dos cultos afrobrasileiros, visita um centro espiritista.
A pressuposição é que todos têm algo de bom e que ao caminhar em
direção a Deus é possível somar muitas coisas.
E existe também o auge do movimento evangélico.
Em grande parte o auge do movimento evangélico se deve ao fracasso institucional da Igreja Católica.
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Fonte: http://www.clarin.com/br/
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