quinta-feira, 25 de julho de 2013

Umberto Eco: “Dan Brown é um personagem meu”

ENTREVISTA

O célebre escritor italiano falou em Florença 
sobre inícios e finais de romances. 
Revelou que seu próximo romance se chamará:
 “História das terras lendárias” 
e que ainda falta escrever três romances.

Por Maria Artusa

“Cuidado que esse, com tinta vermelha, vale mais”, diz Umberto Eco à senhora que lhe entrega um exemplar de ‘O nome da Rosa’ para que ele dê um autógrafo: “para Doménico e Sabrina”.

Enquanto Eco vira as páginas para ver o ano da edição do seu romance mais vendido – foram vendidas trinta milhões de cópias -. “Attenti, que é uma das primeiras, de 1981, vale uns 500 euros”, acrescenta il professore nos bastidores do Salão do ‘Cinquecento do Palazzo Vecchio de Florença’, onde falou sobre escritura, sobre a preparação dos seus livros, de como ele e outros escritores começaram e terminaram seus romances.

Para ensinar a escritura criativa é preciso ensinar primeiro a ler- diz Eco. A escritura profissional, no entanto, pode ser ensinada. É possível aprender a técnica.”

Para este encontro, Eco foi buscar na sua biblioteca e trouxe exemplos de inícios e finais de romances.

Todos nós vivemos de recordações de inícios de livros. Os finais são menos lembrados porque nem todos os leitores chegam até a última página do romance”, brinca.

Um de seus favoritos é o final de Martin Eden, de Jack London: “`Caiu na escuridão e quando compreendeu, deixou de compreender´- lê Eco para a plateia-.

E continua:

“Desde os meus 12 anos sou obcecado por este final, onde o protagonista, depois de ter conhecido a glória, deixa-se cair no vazio e termina afundando no mar.

Minha meditação sobre a morte, desde então, foi moldada por esse final”.

Sobre si mesmo, confessará o quanto se dedica à construção do universo ficcional dos seus relatos antes de começar a escritura em si.

“Pesquiso durante anos, pode me levar dois anos. Quando tenho o mundo posso começar a escrever. Às vezes, enquanto estou na construção desse universo me vem à mente uma bela imagem para começar – conta -. Em ‘O Pêndulo de Foucault’, por exemplo, fala-se de duas editoras que estão em dois apartamentos conjugados com uma passagem que os comunica.

Como são dois prédios, eu imaginava que existia um desnível e que era preciso que houvesse degraus. Até não saber claramente como podiam ser esses três degraus, que jamais aparecem no romance, não consegui continuar escrevendo”.

Aos 81 anos, Eco diz não combater o passar do tempo: “Eu, pessoalmente, não recomeçaria nunca. Gosto de tudo o que já me aconteceu, não quero voltar a ser jovem nem ter 20 anos. Não diria jamais que é a melhor idade da vida”.

E conta uma confidência sobre seu costume de não deixar ninguém ver o que escreve e acrescenta uma história sobre o final de ‘O Pêndulo...’.

“O romance não terminava assim, como foi publicado. Tinha duas ou três palavras a mais. Eu, que nunca tive o costume de mostrar meus escritos a ninguém antes de serem publicados, dessa vez chamei uma amiga e li o final. Ela me disse: `Você tem que tirar essas três linhas a mais.’. E eu tirei. O romance, como é conhecido pelos leitores, termina dizendo: `Então o melhor é ficar aqui olhando a colina. É tão bela´. E assim foi publicado.”
 
Eco adora a narrativa: “Eu estou profundamente convencido de que o modo mais natural por meio do qual transmitimos o saber é narrativo”, diz.

E é o que ele está fazendo esta noite conosco. Conta uma historia atrás da outra na frente do Gênio da Vitória, que Michelangelo esculpiu em 1532 e para cerca de cem pessoas, que escutam sua voz ecoar nos afrescos que Georgio Vassari pintou nesta sala no século XVI.

“O momento inicial da transmissão de um saber é sempre uma história - continua dizendo Eco-. Uma criança que pergunta para a mãe o que é um tigre, se a mãe não estiver louca ou não for uma professora de zoologia, ela não responderá: `É um felino do grupo dos mamíferos...´, ela vai dizer:

`É um animal grande que parece um gato, mas é amarelo com listras pretas e anda na floresta e quando encontra um homem o despedaça e come...´, ela vai contar uma história.

A mesma história que se conta quando as crianças perguntam como nascem os bebês... O que pode ser traiçoeiro sobre o storytelling no jornalismo é que, fascinado com a possibilidade de contar uma história, o repórter acrescente elementos ficcionais. Esse é o risco.”

Falando de qualquer assunto, Eco não perde a ocasião para ironizar:

“Há obras que, se unirmos o início com o final, obtemos algo grandioso. Vejamos, por exemplo, que não poderia dar errado com Dante Alighieri, que começa a Divina Comédia dizendo:

`No meio do caminho da vida, errante me encontrei em uma floresta escura...´ e depois termina o último canto do Inferno dizendo:

`E então saímos para ver as estrelas.´. Não há mais nada para contar. Imaginem, então, como é que o Dan Brown faz”.

É pública sua pouca simpatia pelo escritor americano que esteve aqui, em Florença, apresentando ‘Inferno’, seu último romance, 48 horas antes deste encontro.

Há anos Umberto Eco repete que foi obrigado a ler ‘O código Da Vinci’ depois das semelhanças que os críticos encontraram entre o romance de Brown, de 2003, e ‘O Pêndulo de Foucault’, escrito em 1988.

Continua criticando Dan Brown?   

Esse rapaz é um personagem de um dos meus romances. É um personagem de ‘O Pêndulo de Foucault’. Portanto, ele deveria me pagar alguns direitos autorais.

O que o senhor está fazendo agora?
Não sei se posso contar isso, mas no Natal vai sair outros desses volumes como História da Beleza, História da Feiúra, que é a história das terras lendárias.

São livros que eu escrevo para me divertir. Não é nada importante, mas é divertido fazê-los e folheá-los. Também será lançado na Argentina. Não é à toa que os tradutores me enchem...

Só agora chegou a hora de se divertir como escritor?

Depende. Quando se faz trabalhos do tipo ensaios talvez não me divirta tanto. Mas com os romances, sim. Se não me divirto, não os escrevo. Não sou desses autores que fazem um livro por ano porque o editor pede. Se tenho algumas ideias, escrevo, a cada seis ou oito anos. Ainda tenho dezenove anos pela frente para chegar ao centenário. Se fizermos as contas... Três vezes seis... Dezoito... Ainda falta escrever três romances.   

FICHA PESSOAL
Alessandria 1932. Semiólogo, escritor e filósofo.
Doutorado em Filosofia e Letras na Universidade de Turim em 1954, com um trabalho que foi publicado dois anos mais tarde com o título de “O problema estético de São Tomás de Aquino”.
Nos anos 1960 publicou seus importantes estudos de semiótica “Obra aberta” e “A estrutura ausente”.
Desde 1971 ocupa a cadeira de Semiótica da Universidade de Bolonha. Em 1980 consagrou-se como narrador com “O nome da rosa”.
Depois publicou “O Pêndulo de Foucault” e “A ilha do dia anterior”, etc.
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Fonte:  http://www.clarin.com/br/Umberto-Eco-Dan-Brown-personagem_0_944905752.html

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