domingo, 14 de julho de 2013

O jardim 1

 Rubem Alves*
 
Mestre Benjamin era um contador de estórias. Todos o amavam, especialmente as crianças, que adoravam fazer perguntas. Sabem por que? Porque, ao invés de dar respostas às perguntas, ele inventava estórias...

Naqueles tempos antigos as noites eram escuras e silenciosas. Somente as estrelas e a lua iluminavam os céus. E, na terra, ouvia-se o barulho do vento, o piar das corujas, o uivo de algum lobo...

De noite, nas tendas, ardiam as lâmpadas a óleo. Todos se reuniam na tenda do Mestre Benjamin para ouvir suas estórias. Aquela era uma noite escura, sem lua. Num céu sem lua as estrelas brilham mais. Bem no meio do céu estava a constelação do Órion, o caçador, seu corpo cingido por um cinturão de três três estrelas, as Três Marias, acompanhado dos seus cães, o Cão Maior e o Cão Menor. Sirius, a mais brilhante de todas as estrelas, brilhava na cauda do Cão Maior. De um lado, a constelação do Touro, com a estrela Aldebaran. Mais além as Plêiades, que a Cecília Meireles observava enquanto navegava:

“Muitas velas, muitos remos,

Âncora é outro falar...

Tempo que navegaremos não se pode calcular.

Vimos as Plêiades; vemos agora a Estrela Polar.

Muitas velas, muitos remos.

Curta vida. Longo mar...”

A viagem da Cecília chegou ao fim. Agora, eu acho, ela ancorou seu navio nas Plêiades, ao lado da estrela do Pequeno Príncipe...

As estrelas são misteriosas. Pascal confessava sentir-se esmagado pelo seu silêncio. Essas mesmas estrelas que vemos foram vistas por homens e mulheres há milhares de anos. E elas continua a brilhar, indiferentes.

A tenda do Mestre Benjamin estava cheia.

Uma menina que tinha estado a contemplar as estrelas levantou a mão e perguntou: “Mestre Benjamin: Foi sempre assim ou as estrelas nasceram? Como foi que o universo começou?”

Mestre Benjamin fez silêncio. Seus olhos ficaram semi-cerrados, como se estivesse tentando ver algo que ninguém via. Depois de alguns minutos começou a falar. Sua voz era quase um sussuro.

“No Princípio, antes que qualquer coisa existisse,
antes que houvesse o Universo,

O que havia era a Poesia.

Deus era Poesia.

A Poesia era Deus.

Deus e a Poesia eram a mesma coisa.

E Deus criou as estrelas para, com elas,

Escrever seus poemas nos céus...”

(Prólogo do Evangelho de João, paráfrase)

“Os poetas sabem que tudo começa com a Palavra. Antes da Poesia o que havia era um abismo escuro e só se ouvia o ruído das águas do mar sem fim agitado por um vento furioso. Tudo era sem forma e vazio. Não havia beleza, não havia música e nem estórias...

Foi então que, de repente ouviu-se no meio do caos uma melodia: eram os sonhos adormecidos da matéria que viviam no fundo das águas e que acordavam do seu longo sono. E do fundo das águas lamacentas brotou a Lótus, a flor sagrada branca. E o caos, vendo da Lótus, ficou manso. A fúria se acalma diante da beleza. O mar ficou tranquilo. Ficou azul. O vento impetuoso tornou-se brisa. Da Lótus surgiu uma luz que espalhou pelo espaço as sete cores do arco-Íris. E surgiram as galáxias, as estrelas, o Sol, a Lua. De noite brilhavam as estrelas. De dia brilhava o Sol. E entre o dia e a noite a Lua navegava pelo mar azul do céu.

Mas tudo era grande demais. E a Beleza não gosta de coisas grandes. Ela então formou esse pequeno lugar em que moramos, a Terra, para ali fazer sua obra mais bela: um jardim. (continua)
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* Escritor. Pedagogo.
Fonte: Correio Popular on line, 14/07/2013
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