quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Amigos em excesso

Antropólogo questiona o hábito de adicionar muitos contatos
nas redes sociais
 e diz que ser humano não consegue se relacionar
com mais de 150 pessoas

O verso “eu quero ter um milhão de amigos”, escrito em uma canção de 1973 por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, parece ser levado a sério por alguns usuários das redes sociais. Há internautas que acumulam páginas lotadas com informações de outros frequentadores dos sites de relacionamentos. A quantidade de contatos, sem muito esforço, ultrapassa a casa das centenas. Como a pessoa consegue administrar um círculo social tão extenso? Não consegue. É o que garante o resultado de uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Oxford, no Reino Unido. O resultado do estudo liderado pelo antropólogo Robin Dunbar aponta que o cérebro humano tem a habilidade de lidar com até 150 amigos, independentemente da personalidade do indivíduo. Quando essa teoria migra para o mundo virtual, a discussão ganha novas variáveis e a polêmica em torno do número definido por Dunbar aparece com mais força.
A teoria de Dunbar começou a ser estruturada ainda na década de 1990, quando o pesquisador observou o comportamento de diversos grupos sociais em diferentes culturas. Esses primeiros resultados levaram o cientista a avaliar o tamanho do neocórtex humano, parte do cérebro responsável por pensamentos conscientes e pela linguagem. É importante observar que o número determinado na pesquisa se refere somente aos amigos, definidos pelo antropólogo como aqueles com os quais a pessoa se preocupa e se comunica, pelo menos, uma vez ao ano. De acordo com o estudo, quando alguém tenta manter uma rede social com mais de 150 pessoas, a coesão dentro dessas relações começa a se deteriorar. Essa ideia, ainda segundo o documento, permanece igual quando é analisada nas páginas eletrônicas de relacionamento.
Em entrevista recente ao jornal inglês The Times, Dunbar chama a atenção para o tráfego de informações entre os usuários desses sites. “O interessante é que o internauta pode ter 1,5 mil amigos, mas quando o fluxo de mensagens é observado, percebe-se que as pessoas mantêm o mesmo círculo social com cerca de 150 indivíduos que observamos no mundo real”, afirma o antropólogo à publicação. “Obviamente, muitos usuários gostam da glória de ter centenas de amigos, mas a realidade é que são tão populares quanto qualquer outro sujeito que não está cadastrado em alguma rede social eletrônica”, completa.
A psicóloga Maria Luiza Araújo tem um perfil na rede de relacionamentos Orkut(1) há cinco anos. Dos 386 amigos adicionados, ela mantém contato frequentemente com menos de 10% do total. Para a profissional, as pessoas encaram as redes na internet como ambientes mais confortáveis para a comunicação com indivíduos que não são íntimos. “Muitas vezes, todas as pessoas adicionadas são, de alguma maneira, conhecidas. Mas essas foram convivências momentâneas e não fazem parte da rotina do usuário”, explica a psicóloga. “O ser humano tem, sim, um limite nas relações sociais e, na minha opinião, a pesquisa de Dunbar faz sentido.”

Número cabalístico

“Se não houver cuidado, a internet pode virar ‘infernet’”, brinca Gilberto Lacerda, professor do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Ele diz que compreende e concorda que o ser humano tenha um limite cognitivo nas relações sociais e ressalta que o excesso dificulta o comportamento nesse processo. No entanto, Lacerda julga impreciso o resultado apresentado por Dunbar. “Parece um número cabalístico, porque cada indivíduo tem seu próprio limite e acredito que haja diferenças entre as relações reais e virtuais. Na internet, os contatos são concretos. Se o usuário esquece determinado perfil, ele pode ser lembrado eventualmente por uma foto ou por um aviso de aniversário. Para mim, não há essa rigidez pregada por Dunbar.”
A empresária Rafaela Brito, 27 anos, e o relações públicas Yuri Martins, 26, são exemplos de usuários populares na rede mundial de computadores. Juntos, acumulam 1,4 mil amigos virtuais aproximadamente. Ela concorda com a pesquisa divulgada pela Universidade de Oxford. Ele, não. Rafaela corrobora o estudo desenvolvido na Inglaterra. Alguns contatos foram adicionados somente porque, em algum momento da vida, fizeram parte do convívio. Porém, a maioria nunca recebeu mensagem alguma da empresária.
Com opiniões que tendem para a linha de raciocínio de Gilberto Lacerda, Yuri garante que consegue manter contato com mais de 150 amigos, constantemente, pelo Orkut. No perfil do jovem, 854 pessoas foram adicionadas desde que ele criou a conta no endereço eletrônico. “Não troco mensagens com todos os internautas, mas a comunicação é feita, com certeza, com um número de pessoas maior que o apontado pela pesquisa”, conta. O professor da UnB completa a afirmação lembrando que a memória virtual permanece registrada e, por isso, o limite de processamento das informações tende a ser maior que no mundo real.

1 - Domínio brasileiro

O Orkut foi criado em 2004 por um engenheiro turco. No entanto, foram os brasileiros que tomaram conta da página de relacionamentos. Atualmente, o Brasil abriga 51,07% do total de usuários do site, seguido por Índia (20,03%) e Estados Unidos (17,43%). Apesar de ser bastante famoso em terras tupiniquins, o Orkut não é o endereço eletrônico mais famoso do mundo no segmento. O Facebook, desenvolvido há seis anos por um estudante norte-americano, tem mais de 350 milhões de cadastros ativos, contra cerca de 40 milhões do Orkut.
Obviamente, muitos usuários gostam da glória de ter centenas de amigos, mas a realidade é que são tão populares quanto qualquer outro sujeito”  Robin Dunbar, antropólogo

Depoimentos

“É só pensar em uma festa de aniversário. Eu não posso convidar todos os que conheço. Chamo os mais próximos do meu convívio. Os sites de relacionamento funcionam mais ou menos assim”
Rafaela Brito, empresária
“Às vezes, lembro que tenho pessoas adicionadas no meu perfil e que não falo há muito tempo. Mas é impossível manter contato com todo mundo”
Maria Luiza Araújo, psicóloga

“Ao longo de um ano, eu troco mensagens com mais de 150 pessoas nas redes sociais da internet. Se amigos são aqueles com quem me preocupo e falo mais de uma vez por ano, tenho centenas de amigos”

Yuri Dantas, relações públicas
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Reportagem de Igor Silveira

Fonte: Correio Braziliense online, 03/02/2010

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