Luiz Carlos Susin*
Ela chegou deslizando pelas águas, acompanhando os migrantes dos Açores e de Portugal, povos do mar. E aqui, diferente de Rio Grande, Florianópolis, da Bahia ou do Recife, ancorou em porto de águas doces. É sempre a mesma, mas com o jeito do povo do lugar. Nos Alpes é Nossa Senhora “dos Cimos”, das alturas. No sul da França é Nossa Senhora da Oliveira, como em Portugal, com os pastores de Fátima falando o português das crianças, é da “azinheira”. Em Guadalupe é a mãe do povo mexicano, tem cor mestiça e roupa índia. Se é verdade que Deus está lá nas alturas, sem imagem e sem nome, a mãe de Jesus continua trazendo Deus para bem perto.
Em Porto Alegre, tornou-se logo a mãe dos negros, dos escravos da cidade, que viram nela, como o Negrinho do Pastoreio na versão de Simões Lopes, a “madrinha dos que não a têm”. A festa de Nossa Senhora dos Navegantes é realmente a festa do povo de Porto Alegre. Seu olhar para a cidade se encontra no entroncamento de muitos caminhos que aqui aportam: os rios que chegam do Norte, do Oeste e do Leste, a cabeceira do aeroporto, em que os aviões permitem sempre uma saudação para quem está sentado junto à janela, do lado direito, a autoestrada que junto dela começa e termina, a ponte, que passa contornando sua igreja, o trem metropolitano que só não tem uma estação junto dela por descuido eclesiástico – enfim, todos os caminhos de Porto Alegre passam sob o seu olhar.
Por isso, ela não podia deixar de ser aqui, como em todo outro lugar, a mãe do sincretismo, negra com os negros, como aqueles que a recuperaram das águas em Aparecida, e Mãe “Oxum”, das águas doces que dão vida. Qual é a mãe que, ao querer reunir toda a família, não faz concessões para envolver cada filho e cada filha? Ela sempre foi assim, em todo lugar: maternalmente sincrética, como a mãe que balbucia brincando junto ao berço para se comunicar com quem sabe só esta linguagem. E, por isso, em Porto Alegre ela inventou um sincretismo bem local: a festa dela é a festa da melancia. Com a oferenda da melancia, as flores e as luzes de vela ganham também um surpreendente sabor refrescante no verão.
Como acontece nas boas famílias, pode alguém nascido ou chegado à cidade não se sentir membro deste povo e sentir pela sua festa uma irresistível simpatia? Afinal, é a festa da mãe que congrega a cidade numa grande família e dá a possibilidade de todos se sentirem irmãos.
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*PROFESSOR DA FACULDADE DE TEOLOGIA DA PUCRSFONTE: ZH online, 01/02/2010
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