Roberto Romano*
Nos processos de Moscou (1936), um dos eventos mais vergonhosos da história socialista, militantes fiéis foram acusados de tudo: aliança com os capitalistas, espionagem a serviço dos imperialismos, planos de assassinatos contra Stalin — o Guia Genial dos Povos, etc. Todo o procedimento “judicial” era mentiroso. As páginas do Pravda (A Verdade), jornal do regime, foram preenchidas com as confissões conseguidas por meio de tortura ou chantagem, ameaças várias e esperanças loucas de perdão. Enfim, num mundo em que o homem seria o capital mais precioso (título de uma brochura ridícula, atribuída a Stalin), ele foi leiloado na feira ideológica por preço vil, medido pelo deboche de uma Raison d´État farsesca.
Desde aquela época, “julgamentos” similares ocorreram no mundo. Assim sucedeu nos processos contra os dissidentes, na Europa sob o comando da URRS; em Cuba com o paredón; no Camboja. Todos aqueles teatros repetiram uma peça cujo título é “Caim”. E todos mimetizam as “seções especiais de justiça” da França, no desgraçado regime de Vichy. Quem ignora a História, pode pelo menos ver o amaríssimo filme de Costa-Gavras, Section Speciale (1975). Que nos Estados democráticos existissem truculentos, adeptos de métodos totalitários (o caso do senador McCarthy é notável pela baixeza), tal fato não desculpa os socialistas que defendiam a tortura, a calúnia de seus pares, a covardia como instrumento de poder.
O Brasil, dada a sua pequena importância internacional até data recente, pouco poderia fazer para minorar os procedimentos genocidas. Com manchas graves em seu histórico — a entrega de Olga Benário Prestes a Hitler e a discriminação racista contra judeus, além da tortura generalizada ao modo de Felinto Muller — nosso país poderia se escudar na pequenez geopolítica ou econômica. Durante a ditadura militar, ainda na Guerra Fria, éramos um peão menor no xadrez diplomático.
Tal não é mais a situação de hoje. Potência emergente, tanto pela economia quanto pela ordem científica e cultural (não por acaso a Unicamp foi indicada para integrar a escolha do Prêmio Nobel), o Brasil não tem o direito de se eximir quando se trata de matança praticada por Estados que mantêm comércio conosco.
Mohammad Reza Ali Zamani e Aresh Rahmanipour acabam de sofrer enforcamento no Irã. Processos contra a minoria Bahá-i estão em movimento, prometendo numerosas matanças. Começam, de fato, as piores represálias contra adversários do regime iraniano, administrado por um presidente que promete aniquilar Israel e profetiza abominável Holocausto nuclear (o que matou seis milhões de pessoas, segundo o mentiroso contumaz, “não existiu”), assim que os procedimentos técnicos sejam atingidos. Como antes da Segunda Guerra Mundial, as potências dominantes buscam seus próprios interesses, permitindo que uma ditadura siga seu rumo, matando os que, no seu povo, imaginam ter direito à liberdade. Depois, ela matará seus vizinhos, destruirá Israel, etc. Em Minha Luta também tudo foi informado. Depois...
Como na Moscou de 1936, as falas são estereotipadas: os enforcados seriam “inimigos do Islã”, “monarquistas”. A repressão toma conta da Pérsia que o Brasil apoia, com tibieza. Atenção cidadania: quem se cala diante de atrocidades cometidas contra cidadãos indefesos no Exterior, está apto a cometê-las aqui. Lutar pela democracia no Irã é garantir que os nossos governantes não assumam uma política ditatorial. Os governo brasileiro bajula notórios tiranos, como Chávez, mostra o que fará, caso não encontre sólidas barreiras contra sua ideologia, que também orienta os ditadores do Irã e da América do Sul. Qual ideologia? O realismo antes de tudo, a liberdade em último plano. Quando o sr. Celso Amorim diz que o Brasil dialoga com países que mantêm a pena de morte, ele cala o fato: no Irã, tal pena (já questionável em termos éticos em democracias) está sendo usada para manter um poder teológico-político, antissemita, intolerante. Diz Platão da verdade: se ela fosse visível, todos se apaixonariam por seu resplendor. Na falta do verdadeiro, a mentira se espraia pelas Chancelarias do mundo. Se a mentira diz o contrário da verdade, o silêncio brasileiro é repelente.
_________________________________________
Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp
Fonte: Correio Popular online, 03/02/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário