Affonso Romano de Sant’Anna*
“Não só o leitor tem que ser criado e recriado, mas também o livro, os editores, os tradutores, os autores, as livrarias, os distribuidores, enfim, toda a cadeia que envolve a produção e o consumo do livro”
Antes de ir ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, já estava pensando em escrever algo sobre a perplexidade que se abateu sobre a indústria do livro. Começaria dizendo mais ou menos o óbvio: que há uma crise que está deixando desnorteados os editores, os livreiros, os distribuidores, os cadernos culturais e, claro, os escritores.
Voltando de debates no FSM, algumas coisas tornaram-se mais claras para mim. A primeira é que estamos assistindo a um fenômeno novo que eu chamo de “a invenção do leitor”. Segundo levantamentos feitos pela Cátedra da Leitura da PUC/RJ (a pedido do governo), há cerca de 8 mil programas de promoção da leitura no país. Nas comunidades até então chamadas de marginais, incluindo favelas, quilombolas e tribos de índio, estão surgindo “leitores” e até “autores”. Mas não se trata apenas de inclusão. Esse novos leitores estão, com a revolução tecnológica e com os velhos leitores, aprendendo a ler de uma outra maneira. Essa presente “invenção do leitor”, sugiro, bem pode ser tema de uma tese de mestrado ou doutorado.
Observe-se, por outro lado, que as bienais e feiras centravam-se na palavra “livro”(Bienal do Livro, Feira do Livro). A palavra “leitor” não aparecia. Por ser subentendida, era também ocultada. Achava-se que o leitor era uma consequência do livro. Isso norteou até hoje a prática da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicado Nacional dos Editores de Livros, interessados, obviamente, no negócio do livro.
Pois estamos assistindo historicamente a um fenômeno — o da “invenção do leitor”, em vários níveis. E colocar a ênfase no indivíduo e não no objeto tem consequências sociais e até metafísicas.
Mas, além disso, ocorre algo mais amplo, perturbador e, sem dúvida, renovador. E é a isso que estou chamando de a “nova invenção da roda”. Será que a roda, tão perfeita, precisa ser reinventada? Precisa. Com a metamorfose do sistema, a roda antiga foi ficando quadrada. Temos que reinventá-la. E é aí que se confirma aquela tese de que vivemos uma nova Renascença. Não só o leitor tem que ser criado e recriado, mas também o livro, os editores, os tradutores, os autores, as livrarias, os distribuidores, enfim, toda a cadeia que envolve a produção e o consumo do livro.
No universo digital e da convergência das mídias, todos os atores do velho sistema editorial estão acuados e passando por metamorfoses abruptas. Esta semana, um importante editor me confessava que não pode esperar pelos jornais e pelas resenhas para divulgar seus livros. Está inventando outro processo através da internet. Os jornais e as revistas não dão conta, como no passado, de processar criticamente o material produzido. Uma revolução está no ar. Mas no ar, mesmo. Extrapola a mesa do editor e do autor, ultrapassa os meios antigos de distribuição e divulgação. O livro digital é como se fosse a passagem do pergaminho egípcio para o pocket book.
Neste momento de transformações, além dos “experts”, aparecem muitos espertos. Vai levar vantagem quem for inventivo e corajoso. Como num circo, é a hora de dar um salto mortal triplo no ar, mas sem rede lá embaixo. Para um escritor de 20 anos, talvez seja mais fácil e natural que para um escritor de 70 ou 80 anos.
Enfim, meus amigos, como dizia McLuhan há cinco décadas, não adianta ficar como aquela lagarta que, olhando a bela borboleta, dizia: Nunca me transformarei num monstro daqueles.
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*Affonso Romano de Sant’Anna escreve quinzenalmente neste espaço
FONTE: Correio Braziliense online, 07/02/2010
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