LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA*
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Porque adotam método de ciências como a matemática para justificar o "laissez-faire", origem de crises e mais crises
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A GRANDE crise de 2008 foi também a crise da teoria econômica ortodoxa ou neoclássica, dominante desde os anos 1980; foi a crise da teoria do equilíbrio geral e da macroeconomia neoclássica baseada nas expectativas racionais. Esse fracasso não foi surpreendente. Essas duas teorias ensinadas nos cursos de pós-graduação das grandes universidades têm aparência científica, porque o método hipotético-dedutivo empregado para desenvolvê-las permite o uso abusivo da matemática.
Na verdade, são castelos no ar que possuem alguma coerência lógica, mas não têm base na realidade dos sistemas econômicos reais. Além de não terem utilidade prática, essas teorias apresentam alta periculosidade. Foram essas construções matemáticas que legitimaram a principal causa da crise financeira global: a desregulação dos mercados.
A ortodoxia neoclássica é dogmática e afastada da realidade porque usa um método baseado em axiomas, em vez de generalizar a experiência do comportamento dos mercados. Embora também usando o método hipotético-dedutivo, a microeconomia neoclássica, excluído o modelo de equilíbrio geral, é muito útil porque, juntamente com a teoria dos jogos, constitui uma ciência metodológica auxiliar: a teoria econômica da decisão. Já a teoria do equilíbrio geral, a macroeconomia das expectativas racionais e os modelos de crescimento endógeno são teorias ortodoxas que nos períodos de grande desenvolvimento não orientaram a política econômica dos países em que foram formuladas.
Na Inglaterra, no século 18, foi a teoria econômica mercantilista que desempenhou esse papel; na Alemanha de Bismarck, a escola histórica; nos EUA, na primeira metade do século 20, a teoria institucionalista americana; no Japão e em todos os países que se industrializaram no século 20, a teoria estruturalista do desenvolvimento ("development economics") e a estratégia desenvolvimentista; e, finalmente, nos países ricos, nos "30 anos dourados do capitalismo" (1945-75), foi a teoria econômica keynesiana que inspirou a política econômica.
Para se legitimar, a ortodoxia busca se contrapor à política de irresponsabilidade fiscal e cambial que é tão comum em países mal governados -mas isso não a torna verdadeira. Nem justifica a tese de que era ela a única alternativa ao populismo econômico. A lenda que a envolve é que sua seriedade e severidade assegurariam estabilidade macroeconomia aos países que a aplicassem. Entretanto, as crises financeiras muito mais frequentes jogaram por terra essa tese. No caso dos países em desenvolvimento, a instabilidade resulta do apoio da ortodoxia a deficit em conta-corrente (ou seja, no populismo cambial); no caso dos países ricos, do pressuposto de mercados autorregulados e de sua deliberada desregulação.
Há alguns meses, Paul Krugman perguntou: "Por que os economistas erraram tanto?". A razão principal foi que os economistas "mainstream" adotaram o método hipotético-dedutivo, que é próprio de ciências metodológicas como a matemática, a estatística e a teoria econômica da decisão, em vez de usarem o método histórico ou empírico e, a partir dele, generalizarem e formularem teorias pouco matemáticas, mas realistas, como acontece com a teoria keynesiana. Isso lhes permitiu matematizar a teoria econômica, usar cálculo diferencial e integral e, assim, dar-lhe uma aparência científica, mas, com essa roupagem matemática, a teoria ortodoxa estava justificando o velho "laissez-faire" que sempre foi origem de crises e mais crises.
_________________________________________________LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".
Internet: www.bresserpereira.org.br
Fonte: Folha online, 08/02/2010
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