segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O aprendizado deve ser coletivo

Especialista diz que professores ainda erram ao atuar como palestrantes.
Para Shulman, o grande erro é imaginar
que alguns professores são naturalmente bons e
outros são naturalmente incorrigíveis

Trabalhando sozinhas as pessoas alcançam poucos resultados significativos. Muitos professores, entretanto, ainda não aprenderam como ensinar os estudantes por meio de trabalhos colaborativos como as discussões de casos ou os projetos em grupo. Eles preferem dar palestras em suas classes, o que priva os alunos de experiências essenciais para o aprendizado da administração, da liderança e do empreendedorismo do século XXI.

Esta crítica aos mestres é do professor Lee Shulman, um dos dos mais conceituados estudiosos da educação no mundo. Ele é presidente emérito da Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching e professor emérito da Universidade de Stanford (EUA).

Shulman estará no Brasil pela primeira vez esta semana para participar do Congresso Internacional PBL 2010- Aprendizagem Baseada em Problemas e Metodologias Ativas de Aprendizagem, realizado na USP Leste. Também é convidado do Insper para um debate na próxima quarta-feira. A instituição adota uma proposta educacional voltada ao desenvolvimento e mensuração de competências, como resolução de problemas e pensamento crítico que segue alguns princípios defendidos por Shulman. Antes de embarcar para o Brasil, o professor concedeu uma entrevista exclusiva ao Valor. A seguir, os principais trechos:

Valor: O que os professores precisam saber hoje?
Lee Shulman A maioria das coisas que era importante para os professores em tempos passados continua sendo hoje. Quase todas as pessoas que compreendem ideias e habilidades complexas têm grande dificuldade para ensiná-las aos outros, especialmente se forem sutis. Bons professores compreendem não apenas as ideias que precisam ensinar com profundidade, mas também o que torna essas ideias ou habilidades difíceis de serem aprendidas. Eles sabem quais ideias concorrentes e equivocadas podem já estar presentes nas mentes de seus estudantes. Também que tipos de exemplos, analogias, exercícios e histórias são necessários para tornar as novas ideias vívidas e úteis para os alunos. Essas não são habilidades de ensino novas, mas são difíceis de dominar.

Valor: O senhor sente que há uma evolução nesse sentido?
Shulman - Estamos muito mais conscientes agora de como é importante que o professores engajem os estudantes em discussões, diálogos, trabalhos colaborativos em equipe e avaliações críticas dos próprios esforços e dos outros. Especialmente em campos como administração e engenharia, pessoas trabalhando sozinhas dificilmente alcançam algo significativo. Mas muitos professores nunca aprenderam como trabalhar com estudantes em discussões ativas, métodos de caso, diálogos e projetos cooperativos. Eles sabem ficar na frente da classe e dar uma palestra. Isso não dá aos estudantes as experiências necessárias para aprender o que é necessário para a administração, o comando e o empreendedorismo do século XXI.

Valor: Como os professores podem atrair de volta à escola um executivo experiente que está há muito tempo longe das classes?
Shulman -  Se um executivo experiente não sente que ele é ignorante sobre os novos desenvolvimentos ou ideias, ou não sente que precisa de visões e habilidades novas ou mais refinadas, ele provavelmente será um estudante fraco e não deveria voltar à escola de forma alguma. As pesquisas mostram que quanto mais experiente uma pessoa se torna, mais crítica ela será de suas próprias habilidades. Ela também vai procurar mais conhecimento, treinamento e estímulos adicionais. Esses são os estudantes que deveriam voltar à escola. Quando o fazem, são maravilhosos para ensinar porque trazem sua rica experiência à sala de aula.

Valor: Quais são as vantagens do método de aprendizado baseado na solução de problemas?
Shulman -  Não há uma abordagem única que possa ser chamada assim, mas sim uma família ampla e geral de abordagens de ensino que normalmente começam com problemas, casos ou dilemas, em vez das disciplinas tradicionais. Isso enfatiza a participação ativa do estudante na sala de aula por meio da fala, solução de problemas ou elaboração de planos e normalmente envolve estudantes trabalhando de forma colaborativa. Assim, a avaliação do estudante é frequentemente composta por desafios de desempenho como planejar um experimento, analisar e propor uma solução para um caso, escrever uma mensagem para a câmara municipal ou refutar um argumento. Ela não acontece apenas com perguntas sobre o assunto na teoria.

Valor: Então, o método tradicional de aprendizado está defasado?
Shulman -  Para alguns propósitos e para alguns estudantes, a palestra tradicional ou apenas ler um livro tem a mesma probabilidade de render compreensão. Mas está claro que a motivação e engajamento dos estudantes é muito maior em abordagens baseadas na solução de problemas. Dessa maneira, os estudantes têm uma chance muito maior de desenvolver atitudes positivas.

Valor: Qual a sua opinião sobre executivos que se tornam professores em escolas de negócios? Eles são eficientes ou a experiência acadêmica é fundamental para ensinar?
Shulman - É difícil responder. Alguns executivos são professores maravilhosos e outros não. O mesmo, é claro, acontece com professores acadêmicos. Contudo, independentemente de sua experiência e formação anterior, todos os professores podem se tornar muito melhores com uma prática supervisionada, observação de perto, orientação e retorno de opiniões. O grande erro é imaginar que alguns professores são naturalmente bons e outros são naturalmente incorrigíveis. Como na natação, no skate ou mesmo o futebol, embora existam pessoas com mais facilidade do que outras, todos podem ganhar com um bom treinamento.

Valor: O senhor acha que os modelos educacionais nas universidades estão em sintonia com as exigências das novas carreiras?
Shulman - Houve um tempo em que as universidades estavam terrivelmente fora de compasso com as exigências das carreiras e totalmente desconectadas dos problemas e situações reais do mercado de trabalho. Essa situação, porém, está mudando rapidamente. Por meio do uso muito mais sério de casos, simulações, tecnologias multimídia e afins, a diferença entre o que as universidades ensinam e o que os alunos precisam aprender para enfrentar o mundo real diminuiu.

Valor: É difícil ensinar alguém a sair da teoria para a prática?
Shulman - Estou escrevendo um livro que questiona como as pessoas aprendem a ser profissionais, sejam médicos, enfermeiras, advogados ou engenheiros, mas também padres, professores e professores universitários. Como alguém aprende a sair da teoria à prática, do que é possível ao que é necessário, do que gostariam de fazer ao que deveriam fazer, moral e eticamente.
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Reportagem de  Stela Campos, de São Paulo
Fonte: Jornal Valor Econômico online, 08/02/2010

http://www.valoronline.com.br/?impresso/carreira/292/6091933/o-aprendizado-deve-ser-coletivo

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