segunda-feira, 1 de março de 2010

Deus ou mamon = eterno dilema

Maria Clara Bingemer*

Uma vez mais a CNBB lança a Campanha da Fraternidade com a finalidade de promover uma conscientização por ocasião do tempo litúrgico forte da Quaresma. Não apenas os católicos, mas cristãos de outras denominações, adeptos de outras tradições religiosas e pessoas de boa vontade, sem adesão explícita a nenhum credo, são convocadas a dirigir sua atenção para um tema candente.

Este ano trata-se da economia, ou seja, da relação com o dinheiro. Educar para uma economia de justiça e solidariedade é um dos objetivos da nossa campanha. Além de denunciar que a competição e o lucro não resolvem os problemas da qualidade de vida e da conservação do meio ambiente, a campanha pretende questionar os fiéis sobre como anda sua relação com o dinheiro, que não por nada é chamado “vil metal”.

Ao propor esse tema, a campanha não se afasta um milímetro do Evangelho de Jesus Cristo.

Um versículo do evangelho de Mateus serve de lema para o textobase e os materiais veiculados: “Não se pode servir a Deus e ao dinheiro”. Na verdade, o texto começa mais forte: “Ninguém pode servir a dois senhores”.

Chamando o dinheiro de senhor, o Evangelho reconhece o poder que este tem sobre a vida e o imaginário do ser humano.

Ao longo de toda a tradição cristã, o apego à riqueza, o acúmulo de bens, foi visto como perigo e maldição, devendo ser cuspido da boca dos discípulos de Jesus sem complacência.

Seu risco para o ser humano é tal que foi identificado como ídolo e chamado com nome próprio: Mamon. E o significado é claro: o dinheiro pode converter-se em divindade, em senhor de nossas vidas.

E se pretende assenhorearse de nós, rivalizando com o Deus verdadeiro, é um ídolo e, como todos os ídolos, conduz à morte.

Na recente crise que sacudiu o Ocidente, atingindo inclusive os Estados Unidos, que pareciam imunes a tudo que abalasse seu poderio econômico, vimos o poder do dinheiro sobre as pessoas.

Todos os dias a mídia nos trazia notícias de falcatruas milionárias, suicídios, crises de depressão.

Por meios lícitos ou ilícitos haviam acumulado riqueza.

E agora que ela se havia ido, a vida perdia o sentido.

O Evangelho não é ingênuo.

Sabe que o dinheiro é um meio necessário para a sobrevivência.

Mas insiste que é meio e não fim. Deixar-se dominar pelo dinheiro é perder o rumo da vida, da relação com os outros e do culto apropriado ao Deus verdadeiro. O dinheiro não pode ser valor absoluto governando a vida.

A medida fundamental para qualquer economia é um sistema que deveria criar reais condições de segurança e oportunidades de desenvolvimento da vida de todas as pessoas, desde os mais pobres e vulneráveis. Os sistemas com os quais convivemos trabalham no sentido oposto.

Toda sociedade que exclui pessoas porque não possuem riqueza e enlouquece outras porque a possuem em demasia e não a repartem repugna ao coração de Deus. A CF convida a denunciar a perversidade de qualquer modelo econômico que vise em primeiro lugar ao lucro, sem se importar com desigualdade, miséria, fome e morte. E a lutar para incluir os pobres que, à margem da vida, não têm recursos para viver e cujo clamor chega até os ouvidos de Deus, único Senhor.
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*Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio e autora de "A argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
(wwwusers.r dc.puc-rio.br/agape)
Fonte: Jornal do Brasil online -  1 de Março de 2010

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