terça-feira, 13 de julho de 2010

Ciência pesquisa como a comida seduz o cérebro

Comportamento:


Tecnologia diferencia alimentação por prazer, ou "hedônica",
do comer por necessidade, chamada de "homeostática"


Imagine uma festa típica de aniversário em um escritório.
É depois do almoço, então todos estão cheios. Ai, vem um saboroso doce de chocolate. A aparência e o cheiro - até mesmo a palavra "bolo" - estimulam os circuitos de prazer e de recompensa do cérebro. Essas reações rapidamente ofuscam os sinais sutis do estômago que está dizendo, na realidade: "Ainda digerindo aqui. Não mande mais!" As deixas sociais fazem mais pressão e logo todos estão comendo um pedaço - ou dois.

Pesquisadores universitários estudam os diferentes motivos para comer desde a época de Sócrates, que também aconselhou: "Não vivemos para comer, mas comemos para viver." Mas hoje em dia os cientistas estão usando uma tecnologia sofisticada de tomografia do cérebro para entender como a sedução de uma comida saborosa pode superar os mecanismos do corpo que regulam a fome e a satisfação, o que é chamado de alimentação "hedônica", em contraposição à "homeostática".

Uma coisa é certa: as pessoas obesas apresentam uma reação mais hedônica aos doces e comidas ricas em gordura nos circuitos de prazer e recompensa do cérebro que pessoas de peso saudável. A simples visão de fotos de pratos tentadores pode acender as áreas de busca de prazer no cérebro das pessoas obesas.

Duas conferências esta semana sobre obesidade examinam aspectos de como o apetite age no cérebro e por que algumas pessoas ignoram seus sinais de saciedade. Cientistas esperam que as descobertas levem a meios de retreinar o pensamento das pessoas sobre comida ou a drogas para perda de peso.

Em um estudo apresentado esta semana na Conferência Internacional sobre Obesidade em Estocolmo, na Suécia, pesquisadores da Universidade Columbia, de Nova York, mostraram imagens de comidas calóricas a dez mulheres obesas e a dez mulheres de peso normal e monitoraram suas reações no exame de ressonância magnética. Nas mulheres obesas, as imagens provocaram respostas fortes na área tegmentar ventral, uma mínima área da região central do cérebro onde a dopamina é liberada. As imagens também ativaram a parte do cérebro envolvida no planejamento de algo recompensandor.

"Quando as pessoas obesas veem alimentos calóricos, uma rede de áreas do cérebro envolvidas em recompensa, atenção, emoção, memória e planejamento motor são ativadas, e essas áreas falam umas com as outras, tornando mais difícil para elas resistir", diz a pesquisadora-chefe Susan Carnell, cientista de psiquiatria do Centro de Pesquisa da Obesidade, da Columbia.

Reações cerebrais similares ocorreram em pessoas obesas quando os pesquisadores simplesmente disseram as palavras "brownie de chocolate" - mas não quando viram ou ouviram falar de alimentos de baixa caloria, como repolho ou abobrinha. As reações foram bem menos pronunciadas em pessoas de peso normal.

Mais estudos estão sendo apresentados em Pittsburgh, nos Estados Unidos, no encontro, esta semana, da Sociedade de Estudo do Comportamento Ingestivo. Em um, neurocientistas do Laboratório John B. Pierce, da Universidade Yale, fizeram 13 pessoas acima do peso e 13 de peso normal cheirar e provar milkshakes de chocolate ou de morango e observaram suas reações por meio de testes de ressonância magnética. Os obsesos apresentaram reações fortes à comida na amígdala cerebelosa - centro emocional do cérebro - estando ou não com fome. Os de peso normal apresentaram uma resposta na amígdala só quando estavam com fome.

"Se você é uma pessoa de peso normal, seus mecanismos homeostáticos estão funcionando e controlando essa região do cérebro", diz a investigadora chefe Dana Small. "Mas no grupo de obesos existe uma espécie de disfunção no sinal homeostático de forma que, embora não estivessem com fome, eles eram mais vulneráveis a essas pistas alimentares externas."

Os estudos concluíram que uma dieta de doces e alimentos gordurosos pode cortar alguns dos sinais de satisfação do corpo, como peptídeo glucagon e o peptídeo YY, liberados quando o estômago e o intestino estão cheios.

A obesidade também derruba a ação da leptina, hormônio que é secretado pelo tecido gorduroso, que diz ao hipotálamo quanta energia o corpo tem armazenada. A leptina deveria agir como um freio contra comer em excesso e faz isso nas pessoas de peso normal. Mas a maioria das pessoas obesas tem uma abundância excessiva de leptina e, de alguma forma, o cérebro delas ignora o sinal.

Todas essas descobertas trazem à tona a questão do que veio primeiro. A obesidade atrapalha a ação da leptina ou o mal funcionamento na sinalização da leptina torna as pessoas obesas?

Da mesma forma, algumas pessoas são obesas porque o cérebro delas reage de forma exagerada aos alimentos tentadores ou o cérebro delas reage dessa forma porque uma outra coisa as está levando a comer demais? Pesquisadores de Yale e de outros lugares vão se voltar para essas questões como o próximo passo.

Há também vários outros mistérios metabólicos. Por que algumas pessoas que apreciam muito a comida conseguem parar de comer quando estão satisfeitas e outras não? A tendência de comer além da satisfação é genética ou um comportamento que se aprende e quanto disso pode ser alterado?

Essas perguntas são difíceis de responder, mas os neurocientistas e os especialistas em comportamento estão encontrando pistas. Alguns estudos de ressonância magnética descobriram que enquanto alimentos tentadores estimulam a liberação da dopamina em pessoas obesas, essas pessoas têm menos receptores de dopamina que as de peso normal, o que, de fato, origina menos prazer da alimentação, criando o desejo por mais.

Curiosamente, vários estudos mostram que formas de cirurgia gástrica podem na realidade provocar mudanças no cérebro de pessoas que foram obesas - e não apenas porque seus estômagos estão menores e se satisfazem mais rapidamente. Níveis de leptina e glicose tendem a baixar em pacientes que fizeram a cirurgia, acabando com a diabetes de muitos deles.

Em um estudo do "American Journal of Clinical Nutrition" no mês passado, pesquisadores suíços fizeram testes com 123 pessoas severamente obesas, 110 de peso normal e 136 pacientes que fizeram a cirúrgia de dimiuição do estômago para medir a sua vulnerabilidade à alimentação hedonística. Os pacientes operados e os que não são obesos tiveram pontuações bem mais baixas que os que atualmente são gordos. A razão exata ainda não está clara, mas alguns especialistas acham que poderiam relacionar isso à chamada "síndrome de dumping", na qual alimentos gordurosos e doces criam náusea e tontura em pacientes da cirurgia. Eles podem ter aprendido a associar tais alimentos com desconforto.

Alguns dos estudos mais intrigantes analisaram o cérebro de pessoas que perderam muito peso e conseguiram manter a perda somente com dieta e exercícios. "São pessoas muito controladas e muito raras. Nós tivemos que trazer pessoas do Alasca", diz Angelo Del Parigi, um cientista de neuroimagem que, finalmente, localizou 11 pessoas que deixaram de ser obesas e que tinham feito dieta até chegar à faixa da magreza. "As pessoas que já foram obesas têm uma grande tendência a ganhar peso de novo", diz Del Parigi. "A única forma que têm para criar uma oposição a essa forte predisposição é manter um estilo de vida controlado."

Em um outro estudo, 17 pessoas que tiveram sucesso em perder peso mostraram mais atividade na parte do cérebro que controla o impulso aos alimentos. Em poucas palavras, pessoas que tiveram sucesso na perda de peso pareciam estar mudando de opinião em relação ao impulso para comer. "Essas pessoas veem um pedaço de torta muito convidativo, mas pensam: ' Não, eu tenho que fazer dieta. Se não, vou ficar gordo de novo", diz ele.
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Reportagem Melinda Beck, The Wall Street Journal
Fonte: Valor Econômico online, 13/07/2010

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