terça-feira, 13 de julho de 2010

A confusão é geral, mas...

Antonio Delfim Netto




A moda agora entre os economistas é o "double dip" e com probabilidade fixada! Apenas não se sabe se é para amanhã, para uma semana, um mês, um ano, ou uma década perdida... Graças ao bom Deus - como disse Mark Twain - ele nos fez a todos igualmente ignorantes. Quem quiser contrariar os seus desígnios pode fazê-lo, mas por sua própria conta e risco. A profissão que fez ouvidos moucos para alguns "excêntricos" está profundamente dividida entre "escolas".

Como modestamente suspeito que existem pelo menos oito delas que pretendem explicar a macroeconomia, devem existir pelos menos oito opiniões legitimamente diferentes sobre a probabilidade do "double dip", cada uma delas valendo mais ou menos a mesma coisa. Certamente dispersam suas energias produzindo mais calor no presente do que luz no futuro.

Diante dessa opacidade, a melhor coisa a fazer no Brasil é colocar as "barbas de molho" e garantir os verdadeiros fundamentais (sim, eles existem!): 1) a estrita observância do equilíbrio fiscal com a redução monotônica da relação dívida pública bruta/PIB; 2) uma política monetária cuidadosa que estabilize as expectativas inflacionárias sem inibir a plena utilização da capacidade produtiva e seja consistente com 3) um déficit em conta corrente razoável e claramente financiável.

Até aqui as coisas andaram razoavelmente bem. Temos tido cuidado com o déficit fiscal e um aumento desculpável (mas que deve ser corrigido) na relação dívida bruta/PIB. O futuro, entretanto, não é tão claro e pode ser aterrador: as despesas correntes do governo têm crescido a uma taxa seguramente não sustentável; a recente coalizão Legislativo-Judiciário ameaça toda a política salarial do Estado e a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2011 contém dispositivos que, se não forem vetados, iniciarão um processo de desintegração fiscal. Quando estamos diante de uma situação em que a interpretação da lei pode mudar de acordo com as circunstâncias ou com a sua conveniente leitura política, estamos no universo da absoluta insegurança jurídica que, seguramente, reduz o crescimento econômico.

Keynes disse uma vez que "com uma lógica perfeita perseguida furiosamente pode-se terminar no hospício". Um exemplo disso é a justificativa do Poder Judiciário, que usou os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal para propor um cavalar aumento de despesas não sem ser acompanhado pela falta de responsabilidade do Legislativo em prover - sem uma proposta de aumento de impostos - o seu financiamento. No fundo, no fundo, trata-se de uma vingança contra o laxismo do Executivo no tratamento de suas despesas...

Com relação à política monetária, ela tem sido razoavelmente executada, mas persistem equívocos antigos de financiamentos da dívida pública. Esses construíram a maior taxa de juro real do mundo, que transformou o Brasil no último peru com farofa disponível no mercado financeiro internacional, fora do Dia de Ação de Graças. Há, seguramente e com razão, dúvidas importantes a respeito dos custos sociais das incertas estimativas do Banco Central sobre a "taxa de juro real de equilíbrio" e o famoso "produto potencial". Neste caso a situação é mais tranquila: a manutenção da autonomia operacional do banco, o firme questionamento sobre as necessárias mudanças na política de financiamento da dívida pública (e a consequente redução da taxa de juro real de "equilíbrio") e uma ousadia moderada na estimativa do PIB potencial são medidas que derivarão do próprio aperfeiçoamento do sistema de metas inflacionárias.

Temos a impressão que o segundo semestre de 2010 será uma boa lição. Ele provavelmente vai mostrar que 4/5 do aumento da expectativa de inflação foram produzidos pelo aumento sazonal acentuado dos preços dos alimentos (dificuldades climáticas) e pelo aumento do custo dos serviços produzidos pelo sistemático aumento real do salário mínimo.

Não cremos que se possa dizer o mesmo com relação à evolução do déficit em conta corrente. Com a possibilidade de um crescimento robusto do PIB (entre 5% e 6% ao ano) este certamente não será um problema trivial. Há hoje uma confiança exagerada na certeza de seu financiamento por conta do nível das reservas, da produção do pré-sal e pelo papel desempenhado pelo câmbio flutuante no ajuste. A taxa de câmbio não é mais aquele animal do jurássico, que igualava o fluxo do valor das importações ao das exportações. Ela é hoje um animal da idade digital mobilizado pelos ajustes de milhões de portfólios de especuladores em microssegundos. Se e quando vier a criar-se uma expectativa negativa sobre a sustentabilidade do déficit em conta corrente, o ajuste será rápido e dramático e exigirá instantânea manobra da taxa de juros, que desorganizará as finanças das empresas e do governo prejudicando o ritmo do desenvolvimento.

Como ninguém pode estar seguro de suas opiniões, essas considerações (talvez "palpites") são apenas uma das oito possibilidades abertas para tentar entender o que nos espera. Todos estamos inseguros, mas há uma coisa certa! O próximo presidente da República, seja ele quem for, vai navegar em mar muito mais difícil do que o enfrentado até aqui. E terá menos graus de liberdade para nele manobrar.
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*Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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