terça-feira, 13 de julho de 2010

Cientista holandês confronta Newton e diz que a gravidade não existe



É difícil imaginar um aspecto mais fundamental e ubíquo da vida na Terra
do que a gravidade, desde o momento em que você dá o primeiro passo e
cai de traseiro sobre a fralda até
o lento desenvolvimento da flacidez da carne.
Mas e se tudo fosse apenas uma ilusão,
uma espécie de enfeite cósmico, ou um efeito colateral de algo mais
que se passa nos níveis mais profundos da realidade?

Assim diz Erik Verlinde, 48 anos, um respeitado teórico das cordas e professor de física da Universidade de Amsterdã, cuja alegação de que a gravidade é na verdade uma ilusão tem causado agitação entre os físicos, ou pelo menos entre aqueles que professam entendê-la. Revertendo a lógica de 300 anos de ciência, ele argumentou em um recente trabalho, intitulado “Sobre a Origem da Gravidade e as Leis de Newton”, que a gravidade é uma consequência das veneráveis leis da termodinâmica, que descrevem o comportamento do calor e os gases.

“Para mim a gravidade não existe”, disse Verlinde, que esteve recentemente nos Estados Unidos para se explicar. Não que ele não possa cair, mas Verlinde está entre um grupo de físicos que dizem que a ciência esteve olhando para a gravidade de forma errada e que há algo mais básico, a partir da qual a gravidade “surge”, assim como os mercados de ações surgem do comportamento coletivo dos investidores individuais e a elasticidade surge da mecânica dos átomos.

Olhar para a gravidade desse ângulo, eles dizem, poderia jogar alguma luz às questões cósmicas problemáticas do momento, como a energia escura, uma espécie da antigravidade que parece estar acelerando a expansão do universo, ou a matéria escura, que supostamente é necessária para manter unidas as galáxias.

O argumento de Verlinde se assemelha a algo possível de ser chamado de teoria “dia de cabelo ruim” da gravidade.

É mais ou menos assim: seu cabelo encrespa no calor e umidade, porque há mais formas de seu cabelo ficar curvado do que reto, e a natureza gosta de opções. Logo, é necessária uma força para deixar o cabelo reto e eliminar as opções da natureza. Esqueça o espaço curvo ou a atração a uma distância, descrita bem o suficiente pelas equações de Isaac Newton para nos permitir navegar pelos anéis de Saturno. A força que chamamos de gravidade é simplesmente um subproduto da tendência da natureza de maximizar a desordem.

Alguns dos melhores físicos do mundo dizem não entender o trabalho de Verlinde e muitos são assumidamente céticos. Mas alguns desses mesmos físicos dizem que ele forneceu um novo ponto de vista para algumas das questões mais profundas da ciência, o por que da existência do espaço, tempo e gravidade –apesar dele ainda não tê-las respondido.

“Algumas pessoas disseram que não pode estar certo, outras que está certo e já sabíamos – que é certo e profundo, certo e trivial”, disse Andrew Strominger, um teórico de cordas de Harvard.

“O que é preciso dizer”, ele prossegue, “é que inspirou muitas discussões interessantes. É simplesmente uma coleção muito interessante de ideias que toca em coisas que em grande parte não entendemos a respeito de nosso universo. É por isso que gosto”.

Verlinde não é um candidato óbvio para ir muito longe em algo assim. Ele e seu irmão Herman, um professor de Princeton, são gêmeos célebres conhecidos mais pelo domínio da matemática da teoria das cordas do que por voos filosóficos.

Nascidos em Woudenberg, Holanda, em 1962, os irmãos foram inspirados por dois programas de televisão dos anos 70 sobre física de partículas e buracos negros. “Eu fui completamente fisgado”, lembrou Verlinde. Ele e seu irmão obtiveram Ph.D.s na Universidade de Utrecht juntos em 1988 e então foram para Princeton, Erik para o Instituto de Estudos Avançados e Herman para a universidade. Após cruzarem frequentemente o oceano, eles foram efetivados em Princeton. E se casaram e se divorciaram de irmãs. Erik deixou Princeton e foi para Amsterdã para ficar próximo de seus filhos.

Ele começou a se destacar na pós-graduação, quando inventou a Álgebra

Verlinde e a fórmula Verlinde, que são importantes na teoria das cordas, a chamada teoria de tudo, que diz que o mundo é feito de minúsculas cordas vibrantes.

Você pode se perguntar por que um teórico de cordas está interessado nas equações de Newton. Afinal, Newton foi derrubado há um século por Einstein, que explicou a gravidade como dobras no espaço-tempo, e que alguns teóricos acham que poderá ser derrubado pelos teóricos das cordas.

Nos últimos 30 anos a gravidade está sendo “despida”, nas palavras de Verlinde, do status de força fundamental.

Esse despojamento teve início nos anos 70 com a descoberta de Jacob Bekenstein, da Universidade Hebraica de Jerusalém, e de Stephen Hawking, da Universidade de Cambridge, entre outros, de uma ligação misteriosa entre os buracos negros e a termodinâmica, culminando na descoberta por Hawking em 1974 de que quando os efeitos quânticos são levados em consideração, os buracos negros brilhariam e no final explodiriam.

Em um cálculo provocante em 1995, Ted Jacobson, um teórico da Universidade de Maryland, mostrou que dadas algumas dessas ideias holográficas, as equações da relatividade geral de Einstein são apenas outra forma de declarar as leis da termodinâmica.

Essas explosões de buracos negros (pelo menos na teoria –nenhuma ainda foi observada) expuseram uma nova estranheza na natureza. Os buracos negros, na verdade, são hologramas – como imagens 3D que você vê nos cartões de banco. Toda a informação sobre o que foi perdido dentro deles está codificada em suas superfícies. Os físicos se perguntam desde então sobre como esse “princípio holográfico” – de que talvez sejamos apenas sombras em um muro distante – se aplica ao universo e de onde ele vem.

Em um exemplo notável de um universo holográfico, Juan Maldacena, do Instituto para Estudos Avançados, construiu um modelo matemático de um universo “lata de sopa”, onde o que acontece dentro da lata, incluindo a gravidade, está codificado no rótulo no lado de fora da lata, onde não há gravidade, assim como uma dimensão espacial a menos. Se as dimensões não importam e a gravidade não importa, quão reais podem ser?

Lee Smolin, um teórico de gravidade quântica do Instituto Perimeter para Física Teórica, chamou o trabalho de Jacobson de “um dos trabalhos mais importantes dos últimos 20 anos”.

Mas ele recebeu pouca atenção inicialmente, disse Thanu Padmanabhan, do Centro Interuniversitário para Astronomia e Astrofísica em Pune, Índia, que tratou do tema da “gravidade emergente” em vários trabalhos nos últimos anos. Padmanabhan disse que a ligação com a termodinâmica se aprofundou mais do que apenas as equações de Einstein e outras teorias da gravidade. “A gravidade”, ele disse recentemente em uma palestra no Instituto Perimeter, “é o limite termodinâmico da mecânica estatística” dos átomos do espaço-tempo.

Verlinde disse que leu o trabalho de Jacobson muitas vezes ao longo dos anos, mas que ninguém parece ter entendido a mensagem. As pessoas ainda falam da gravidade como uma força fundamental. “Nós claramente temos que levar estas analogias a sério, mas aparentemente ninguém leva”, ele se queixou.

Seu trabalho, publicado em janeiro, lembra o de Jacobson de muitas formas, mas Verlinde se irrita quando as pessoas dizem que ele não acrescentou nada de novo à análise de Jacobson. O que é novo, ele disse, é a ideia de que diferenças na entropia podem ser o mecanismo por trás da gravidade, de que a gravidade é, como ele coloca, uma “força entrópica”.

Ele teve essa inspiração por cortesia de um ladrão.

Quando estava prestes a voltar para casa de férias no sul da França em meados do ano passado, um ladrão entrou em seu quarto e roubou seu laptop, chaves, passaporte, tudo. “Eu tive que permanecer mais uma semana”, ele disse, “e tive essa ideia”.

Na praia, seu irmão recebeu uma série de e-mails primeiro dizendo que teria que prolongar sua estadia, depois dizendo que ele teve uma nova ideia e, finalmente, no terceiro dia, dizendo que ele sabia como derivar as leis de Newton a partir dos primeiros princípios, a ponto de Herman lembrar de ter pensado: “O que está acontecendo? O que ele anda bebendo?”

Pense no universo como uma caixa de letras do jogo Scrabble (palavras cruzadas). Há apenas uma forma de arranjar as letras para soletrar Gettysburg, em comparação a um número astronômico de formas para soletrarem baboseiras. Sacuda a caixa e ele tenderá a coisas sem sentido, a desordem aumentará e a informação será perdida à medida que as letras se misturam na direção de suas configurações mais prováveis. Seria isso a gravidade?

Como uma metáfora de como isso funcionaria, Verlinde usou o exemplo de um polímero – um filamento de DNA, digamos, um macarrão noodle ou um cabelo – enrolando.

“Eu levei dois meses para entender os polímeros”, ele disse.

O trabalho resultante, como reconhece Verlinde, é um pouco vago.

“Esta não é a base de uma teoria”, explicou Verlinde. “Eu não finjo que isto é uma teoria. As pessoas devem ler as palavras que estou dizendo e não os detalhes das equações.”

Padmanabhan disse que vê pouca diferença entre os trabalhos de Verlinde e de Jacobson e que o novo elemento de força entrópica carece de rigor matemático. “Eu duvido que essas ideias resistam ao teste do tempo”, ele escreveu em uma mensagem por e-mail da Índia. Jacobson disse que não conseguiu entendê-la.

John Schwarz, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, um dos pais da teoria das cordas, disse que o trabalho é “muito provocador”.

Smolin o chamou de “muito interessante e também muito incompleto”.

Em um workshop no Texas neste ano, foi pedido a Raphael Bousso, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que liderasse uma discussão a respeito do trabalho. “O resultado final foi que ninguém entendeu, incluindo pessoas que inicialmente achavam que ele fazia sentido”, ele disse por e-mail.

“De qualquer forma, o trabalho de Erik chamou atenção para uma pergunta genuinamente profunda e importante, o que é bom”, prosseguiu Bousso, “eu apenas não acho que nos aproximamos de uma resposta após o trabalho de Erik. Há muitos trabalhos sobre o assunto, mas diferente de Erik, eles nem mesmo entendem o problema”.

Os irmãos Verlinde agora estão tentando reapresentar essas ideias em termos mais técnicos da teoria das cordas, e Erik tem viajado um bocado, indo em maio ao instituto Perimeter e à Universidade Stony Brook, em Long Island, para falar sobre o fim da gravidade. Michael Douglas, um professor de Stony Brook, descreveu o trabalho de Verlinde como “um conjunto de ideias que encontra apoio na comunidade, acrescentando que “todos estão aguardando para ver se é possível tornar isso mais preciso”.

Até lá, o júri dos pares de Verlinde não chegará a uma decisão.

Em um almoço em Nova York, Verlinde avaliou suas experiências dos últimos seis meses. Ele disse que ele simplesmente se rendeu à sua intuição. “Quando me veio essa ideia, eu fiquei realmente empolgado e eufórico”, disse Verlinde. “Não é com frequência que alguém tem a chance de dizer algo novo sobre as leis de Newton. No momento eu não vejo que estou errado. Isso basta para seguir em frente.”

Ele disse que amigos o encorajaram a ir fundo e ele não lamenta. “Se ficar provado que estou errado, de qualquer forma algo será aprendido. Ignorar isso seria errado.”

No dia seguinte, Verlinde deu uma palestra mais técnica para um punhado de físicos na cidade. Ele lembrou que alguém tinha lhe dito que a história da gravidade parecia a das novas roupas do imperador.

“Nós sabemos há algum tempo que a gravidade não existe”, disse Verlinde. “É hora de gritar isso.”
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A reportagem é de Dennis Overbye, publicada pelo The New York Times e reproduzida pelo portal Uol, 13-07-2010. Fonte: IHU online, 13/07/2010

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