terça-feira, 13 de julho de 2010

A Igreja está disputando poder


“A sexualidade sempre foi um tema complexo para a Igreja católica,
que até hoje navega em contradições muito notórias
que não pode superar.
O desejo, o prazer, a construção de identidade,
 a liberdade, entre outros, são temas que escapam das mãos
da instituição eclesialt".


Dizia Carlitos Cajade, falando sobre a moral do capitalismo: “O capitalismo moralizou a sexualidade e sexualizou a moral”. Isto pode ser aplicado à Igreja católica, instituição funcional ao neoliberalismo. A sexualidade sempre foi um tema complexo para a Igreja católica, que até hoje navega em contradições muito notórias que não pode superar. O desejo, o prazer, a construção de identidade, a liberdade, entre outros, são temas que escapam das mãos da instituição eclesial. A Igreja necessita definir para controlar, dogmatizar para manipular e ainda não foi capaz de fazê-lo neste assunto. Isto se vê claramente no interior do clero e de muitas comunidades religiosas, onde, temas como o celibato, a pedofilia, a vida em casais heterossexuais ou homossexuais de muitos sacerdotes e religiosos e religiosas ou o papel da mulher, provocam discursos diferentes e desencontrados. Ou no pior dos casos, a hipocrisia de um discurso eclesialmente correto para que a hierarquia não incomode e uma prática contrária, que os faz sujeitos plenos e felizes.

Frente a isso, o discurso oficial recorre sistematicamente à “lei natural” para tentar assentar princípios que negam a evolução e a capacidade de construção social de que o ser humano é capaz ou utilizando argumentos bíblicos e teológicos de uma inconsistência absoluta. Continuar dizendo que o matrimônio existe para a constituição de uma família, que tem como principal fim a procriação, é negar o prazer, o desejo e a realização de um casal (quer seja hetero ou homossexual) como primeiro e principal objetivo do amor.

O bispo auxiliar de La Plata, Antonio Marino, enviou a todos os sacerdotes um Guia de perguntas e respostas sobre homossexualidade (não cheira a catecismo das 100 perguntas?) onde “define” o que é preciso defender diante da possibilidade da aprovação da lei de uniões entre pessoas do mesmo sexo.

A Igreja está disputando poder. Esta é a chave de tudo. O poder que dá a interpretação dos símbolos. Que o termo matrimônio seja ampliado para uniões entre pessoas do mesmo sexo lhe tira o controle da situação e não tem como administrar isso. Tudo isso deixando de lado o projeto inclusivo e libertador de Jesus de Nazaré, de respeito, convivência e celebração de e com o diferente, de um Reino para todos e todas desde e com os pobres. Já perdeu parte desse domínio na década de 1980 com a sanção da lei de divórcio vincular (perdão, se destruiu a família como se apregoava naquele tempo?) e agora luta para conservar essa porção de poder usando muitos dos argumentos dessa época.

É impressionante a pretensão da Igreja católica de querer hegemonizar o pensamento e negar a capacidade de criticidade e de construção da verdade com outros. Já não abarca apenas o “religioso” (onde também não é dona da verdade, recordemos simplesmente a passagem de Jesus com a samaritana), mas que quer invadir o público, onde simplesmente é um ator a mais.

Bergoglio, Aguer e outros bispos que formam o “núcleo duro” do Episcopado argentino são o expoente do pensamento de cristandade, em que o poder religioso está acima do político. A base teórica disto é a chamada “doutrina das duas espadas” do papa Bonifácio VIII (século XII), já antecipada por Gelásio I no século V, que sustenta que a Igreja, depositária e guardiã do poder de Deus, delega no poder político o “temporal” desse poder, para ser ela a que guia no “espiritual”.

Não há uma única maneira de viver o amor e de expressá-lo sexualmente. Esta lei busca a igualdade de direitos e o crescimento como sociedade na convivência e na inclusão. Os direitos não são passíveis de plebiscito. Não podemos encerrar nem dogmatizar o amor; este se expressa de múltiplas maneiras, onde a única chave tem que ser a de não dominar nem oprimir o outro.

A Igreja católica, que promoveu a morte, a tortura, a não permissão de um pensamento diferente, não tem autoridade para isto. Seguramente tem poder, mas não autoridade, porque sua prática, na história, como instituição esteve do lado dos poderosos e não das minorias frágeis. Hoje empreende uma nova cruzada, onde se arroga o direito de defender os fundamentos morais da sociedade, de defender a Deus. O fundamental e paradigmático disto é que Deus, em Jesus, está no lugar que quer: no das vítimas, dos despossuídos, das minorias sem direitos, dos desaparecidos durante a ditadura, dos abandonados pelo sistema e pela instituição eclesial.
Durante as marchas que fizerem, estará na linha de frente.
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*Antonio Daniel Fenoy, ex-sacerdote, professor de Teologia e coordenador do Seminário de Teologia da Libertação, Faculdade de Trabalho Social, em artigo publicado no jornal Página/12, 11-07-2010.
A tradução é do Cepa
Fonte:IHU online, 13/07/2010

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