quinta-feira, 8 de julho de 2010

A decadência do linguajar público

 Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo


A derrota da equipe francesa na África do Sul continua nos oferecendo lições. Por exemplo, ela desperta um grande interesse daqueles que estudam a "linguística". Os fatos ocorridos que precipitaram a derrota da ridícula equipe francesa, entre seu segundo e terceiro jogo, foi um fenômeno linguístico.

Vamos resumir a tragédia: nos vestiários, depois de uma derrota, o jogador Anelka, furioso com o treinador Raymond Domenech, disse a ele "vá tomar no c... seu filho da p...". Baixo calão. O L" Equipe, grande jornal de esportes, publicou esses termos em letras gigantes, que tomaram toda a página de capa. Ao ler isso, a França tremeu dos pés à cabeça. E foi o início da loucura. O time francês vai se destruir.

Claro que os jogadores não saem da ENA ? Escola de Administração Francesa e sua linguagem não é a de Marcel Proust. Nos vestiários coisas piores são ditas. Mas, graças ao L" Equipe, esses termos nauseabundos, comuns no vestiários, ficaram impressos. E causaram um escândalo. Assustadores. Uma mulher pode andar de "fio dental" em Copacabana, mas se fizer isso no Palácio do Governo, vai incomodar.

O insulto de Anelka foi examinado em detalhes. "Filho da p..." significa o filho de uma desconhecida, uma "cadela" e um arruaceiro, filho de ninguém. A mãe é uma "p...". E além disso, para seu treinador "filho da p.", Anelka deu um conselho. Que ele "vá tomar no c..." Um insulto atrás do outro. Claro que esses termos deploráveis foram ditos num momento de extrema cólera e por um homem que não tem muita educação. Mas o que é grave ? e é por isso que irritou tanto os franceses ? é que Anelka se limitou a falar como o resto da sociedade francesa, os intelectuais, os poetas malditos, os burgueses "ligados" utilizam à vontade palavras de baixo calão, é chique. E os responsáveis políticos, os ministros, também, para mostrar que são viris.

As mais destacadas figuras do Estado se submetem a esse aviltamento da linguagem. Poucos dias depois de ser eleito o presidente da República teve uma discussão com o homem que, numa manifestação, o xingou.

Sarkozy, esquecendo-se de que era presidente, vermelho de raiva, gritou (tudo transmitido pela TV): "Vá se f..., seu idiota".

O grave é toda uma nação, desde o seu presidente até um jogador, do poeta ao lixeiro, adotar o mesmo linguajar grosseiro, sem gramática, nem vocabulário. Uma linguagem baixa e insultuosa, rudimentar, invertebrada.

Na Grécia antiga, um "bárbaro" era um homem que não falava o grego, ou falava muito mal. Outro exemplo também pode ser encontrado em Roma no século quinto após Jesus Cristo, pouco tempo antes da queda do Império Romano. No ano 432, um ilustre personagem de Lyon, na Gália romana, Caius Solius Modestus Apollinaris Sidonius, escreveu a um dos seus correspondentes, um certo Argovast, esta mensagem, magnífica e patética, em que falava do crepúsculo de uma civilização: "Na proximidade imediata dos Bárbaros, Argovast, não cometa barbarismos. Da mesma maneira que os grandes chefes antigos, você não maneja bem nem o estilete nem a espada. A pompa da eloquência romana, se ainda existe, abolida há muito tempo nas regiões belga e renana, se refugiou em ti, seja escrevendo ou falando. Embora escrevas no momento em que as leis romanas caem por terra, tua linguagem, ela, não vacila."
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Fonte: Estadão online, 07/07/2010

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