quinta-feira, 8 de julho de 2010

A democratização religiosa no Brasil

José Eustáquio Diniz Alves*

[EcoDebate] O Brasil é um país que sempre teve uma forte presença da religião católica, desde a celebração da Primeira Missa em 26 de abril de 1500. Porém, o Brasil – que é considerado o maior país católico do mundo – vem passando por uma rápida mudança na composição das filiações religiosas entre a sua população.

Os dados do censo demográfico de 1940 mostravam a seguinte distribuição da filiação religiosa no Brasil: 95,2% de católicos, 2,6% de evangélicos, 0,2% de sem-religião e 1,9% de outras religiões. Trinta anos depois, a situação tinha mudado muito pouco, apontando para uma ligeira redução do percentual de católicos e um pequeno crescimento dos outros grupos. Contudo, a dinâmica das filiações religiosas começou a apresentar rápidas alterações entre os anos de 1970 e 2000, quando todos os grupos religiosos cresceram em termos absolutos, porém, só os católicos decresceram em termos relativos e o grupo das outras religiões permaneceu praticamente constante. A redução percentual dos católicos se acelerou ao longo das três últimas décadas. O percentual de católicos, que era superior a 90%, ao longo do século XX, caiu para menos de 3/4 no ano de 2000.

Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2007, os católicos representam 64% do total das filiações religiosas, os evangélicos pentecostais somam 17%, e os não pentecostais, 5%. Espíritas kardecistas ou espiritualistas chegam a 3% e, 1% de umbandistas. Adeptos do candomblé e de outras religiões afrobrasileiras não chegam a 1% e outras religiões atingem 3%. Os sem religião definida (ou ateus) representam 7% do total. O Censo demográfico de 2010 vai mostrar os números mais recentes e com maior detalhamento.

Se, na virada do milênio, os católicos tivessem o mesmo percentual da população que tinham em 1970, isto representaria 30 milhões de pessoas a mais. Pode-se dizer, então, que esses 30 milhões de pessoas migraram para os demais grupos. Em termos absolutos, os evangélicos se consolidaram no segundo lugar e foi o grupo que se caracterizou pelo maior crescimento, apresentando uma aceleração nas últimas décadas. Entretanto, o grupo “sem-religião” foi o que deu o maior salto no período, passando de menos de 1% em 1970 para mais de 7% em 2000. Os demais grupos religiosos adeptos de diferentes seitas, como espirita, umbanda candomblé, etc., passaram de 2,3% em 1970 para 3,3% em 1991, apresentando um ligeiro declínio na participação relativa (3,2%) no ano de 2000.

O panorama nacional mostra que o quadro religioso brasileiro está se diversificando e se tornando mais heterogêneo, principalmente nos anos 90. Contudo, essa maior diversificação se deve, fundamentalmente, ao crescimento dos evangélicos e dos “sem-religião”. O censo 2000 mostra que a maior penetração católica se dá na Região Nordeste, e a menor, nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Sudeste. São exatamente nessas três regiões que existe a maior proporção de evangélicos. Os Estados de Rondônia, Espírito Santo, Roraima e Rio de Janeiro apresentaram, nesta ordem, as maiores proporções de evangélicos, ao passo que foi o estado do Rio de Janeiro que apresentou a menor proporção de católicos (cerca de 56%). O Rio de Janeiro também foi o estado que apresentou a maior proporção do grupo “sem-religião” e de outras religiões (IBGE, 2002). Exatamente por essas questões, o Rio de Janeiro está na vanguarda da diversidade religiosa que afeta todo o país.

A Igreja Católica Apostólica Romana reinou soberana por quase 500 anos no Brasil. O catolicismo sempre fez parte da nacionalidade brasileira. Contudo, o quadro religioso começou a mudar, lentamente, depois de 1950 e, mais rapidamente, nas duas últimas décadas do milênio. O século XXI começou com intensa movimentação das igrejas no Brasil, apontando para o aprofundamento de uma nova configuração religiosa no país. Existe um processo de “diversificação concentrada”, isto porque a diversificação religiosa aconteceu entre três grupos (católicos, evangélicos e “sem-religião”) que, nas últimas décadas, concentraram mais de 96% das filiações religiosas no Brasil e cerca de 94% no Estado do Rio de Janeiro.

O Brasil pode deixar de ser majoritariamente católico, mas não deixará de ser cristão, pois, as igrejas que mais crescem são os evangélicos de missão e, especialmente, os pentecostais. Estes últimos apresentam grande multiplicidade de denominações e se subdividem em uma miríade de Igrejas que se espalham por todo o território nacional.

O crescimento do grupo “sem-religião” acompanha dois vetores: o processo de secularização, por um lado, e a disputa do “mercado religioso”, principalmente entre católicos e evangélicos, por outro. Naturalmente, existem muitas pessoas que não acreditam em Deus, mas, em grande parte, “sem religião” não é o mesmo do que ser ateu. O grupo “sem-religião” parece abarcar as pessoas sem crença definida ou que abandonaram uma Igreja e não chegaram a optar por outra. Esse grupo é composto, majoritariamente, por homens, além de possuir forte peso de crianças e jovens.

Evidentemente, é muito difícil fazer projeções e saber se tais tendências vão prosseguir ou retroceder nas próximas décadas. Mas sem dúvida o processo de democratização das opções religiosas deve continuar, pois os dados sugerem que o crescimento dos “sem-religião”, outras denominações e dos evangélicos deve prosseguir, pois, especialmente estes últimos estão mais presentes entre os jovens e nas regiões com maior crescimento demográfico, ao contrário dos católicos, que possuem maior peso não só entre os idosos e a população rural, que é pequena e está diminuindo, mas também nas regiões com menor dinamismo demográfico.

O processo de difusão das filiações evangélicas, especialmente dos pentecostais, pode ser descrito como um avanço que se dá, prioritariamente, tanto nos estratos sociais menos privilegiados quanto nas periferias das cidades, nas regiões urbanas, entre as mulheres, a população negra (preta + parda), as pessoas de nível educacional baixo ou médio, bem como entre os jovens. Desta forma, podemos dizer, grosso modo, que o Brasil está passando por um processo de mudança religiosa e cultural, com difusão da mensagem evangélica que acontece de baixo para cima, em termos sociais, da periferia para o centro, em termos espaciais, do meio urbano para o rural em termos de situação do domicílio, dos negros para os brancos, em termos étnicos-raciais, dos jovens para os idosos, em termos de geração, e das mulheres para os homens, em termos de gênero.

Referências:

Para acessar uma versão completa desta análise, consultar o seguinte artigo:

ALVES, J. E. D. ; NOVELLINO, M. S. F. . A dinâmica das filiações religiosas no Rio de Janeiro: 1991-2000, Um recorte por Educação, Cor, Geração e Gênero. In: Patarra, Neide; Ajara, Cesar; Souto, Jane. (Org.). A ENCE aos 50 anos, um olhar sobre o Rio de Janeiro. RJ, ENCE/IBGE, 2006, v. 1, p. 275-308
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*José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.
E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br
Fonte:  http://www.ecodebate.com.br/2010/07/08/a-democratizacao-religiosa-no-brasil-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

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