quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os alemães…

LETICIA WIERZCHOWSKI*


Acompanhei as curiosas pelejas futebolísticas, ora displicentemente, ora torcendo com euforia, no caso do Brasil e do Uruguai. Mas, de tudo, o que mais me impressionou foi a Alemanha. Seja qual for o vencendor lá na África (escrevo antes do jogo Alemanha x Espanha), os alemães estão batendo um bolão. E também, há de se dizer, estão dando a volta por cima de um triste passado, um passado que nada tem a ver com futebol (essa matéria sutil que, segundo meu filho João, eu ainda estou longe de compreender). Falo então da pluralidade étnica do excelente time alemão: com uma seleção multirracial – 11 dos seus 23 jogadores têm origem estrangeira – eles estão muito distantes daquela tenebrosa Alemanha que desbaratou a Europa há 60 anos atrás, levando milhares para os campos de concentração, para a miséria e para a morte, enquanto erguia a xenofóbica bandeira do purismo e da supremacia ariana.

Meu avô polonês veio para o Brasil fugindo da sombra do III Reich que, em meados dos anos 1930, já assustava a Polônia, mas para trás deixou toda sua família. Depois da passagem de Hitler, e dos anos de ocupação nazista em terras polonesas, sobraram poucos deles: a metade dos parentes de Jan – avós, tia, dois irmãos, cunhada e sobrinho – morreu sob o jugo de uma Alemanha que considerava os poloneses uma sub-raça, boa para o trabalho braçal, e os judeus, nada mais do que carne para o abate. Mas o tempo passou, e prova temos de que nem tudo piora com o tempo. A Alemanha está aí, o passado ficou para trás, e a seleção alemã entra em campo orgulhosamente com um time composto de poloneses (Klose, Podolski e Trochowski), descendentes de turcos (Özil e Tasci), um bósnio (Marin), um filho de tunisiano (Khedira), um filho de nigeriano (Aogo), um filho de ganense (Jérome Boateng, cujo irmão joga na seleção de Gana), um brasileiro de Mogi das Cruzes (Cacau) e um filho de espanhol (Mario Gomez). É uma mistura para ninguém botar defeito, e defeito é o que ninguém ainda conseguiu colocar nesse excelente time de craques, que entra em campo jogando um baita futebol.

Não sei o que meu avô, que morreu sem superar sua aversão aos alemães, diria desse múltiplo e divertido time. Mas duvido que não vibrasse com o excelente ataque e os gols de Klose e Podolski, e não simpatizasse com o meia reserva Trochowski que, aliás, pediu para jogar na seleção polonesa (que nem sequer se classificou para Copa), mas não foi levado em consideração, e resolveu defender sua segunda nacionalidade, a alemã. Enfim, a vida dá voltas. E a bola, então, nem se fala.
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*Escritora. Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 07/07/2010

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