Luiz Guilherme Barbosa*
RIO - Pode ser que você ainda não tenha ouvido falar em Giorgio Agamben (foto). Pode ser também que esteja cansado de ouvir. De um jeito ou de outro, o livro que o poeta e professor de teoria literária Alberto Pucheu acaba de publicar, Giorgio Agamben: poesia, filosofia, crítica, propõe uma interpretação da obra do filósofo italiano que pode funcionar tanto como mapa para iniciantes quanto como a sinalização de outros caminhos para os que já a conhecem. Esta aparente contradição guarda, na verdade, o projeto mais fundamental do livro.
É que a questão com que se debatem os quatro ensaios de Pucheu é a da relação entre poesia e filosofia (no pensamento de Agamben). Os parênteses justificam-se não por um desvio de atenção à obra do filósofo, mas por revelarem a tentativa de falar com ela sobre o tema. O inevitável outro da obra – o leitor de Agamben – convive com o saber para o qual, de livro a leitor, apenas o que se pode transmitir é o movimento para a criação, “o único verdadeiramente transmissível de nossa cultura”, nas palavras de Pucheu.
Aquilo que mais parece ter chamado a atenção de Roberto Machado, que escreve a orelha, pode ser aplicado tanto ao autor quanto ao filósofo: a “beleza da escrita”, “leve, livre e inventiva”. A necessidade desta escrita, Alberto Pucheu encontra nas leituras que Giorgio Agamben desenvolve tanto da crítica de arte quanto dos institutos do poema, temas através dos quais sua obra é menos conhecida.
No campo da crítica de arte, interessa a Pucheu o modo como Agamben articula arte e crítica. Após o diagnóstico de uma estética que, mesmo em configuração moderna, se fazia fundamentalmente como não arte, o filósofo italiano propõe um modo descriativo para a crítica, uma “dimensão experimental” que, para Pucheu, “oferece uma vigorosa alternativa à compreensão de uma tradição filosófica que entende na criação a passagem do não-ser ao ser”. Logo se percebe que o livro propõe a interpretação do lugar da arte e da crítica hoje. E o faz de maneira ao mesmo tempo incisiva, como manifestação do sintoma e do curativo, e livre, como colocação de uma alternativa, em artigo indefinido, o que é raro em livros de interpretação de paradigmas históricos da arte.
Outro movimento teórico com o qual Pucheu acompanha a obra de Agamben são os conceitos para o poema.
Seguindo a tradição teórica da literatura que, no século 20, esteve às voltas com a literariedade do ponto de vista da linguística,
Agamben procura um conceito que defina o verso em sua persistência após as experiências de vanguarda que desejavam extrapolá-lo. Comparecem na argumentação de Pucheu as ideias de Ezra Pound, a partir das quais o concretismo criou uma das mais sólidas tradições de leitura do poema no Brasil. A capa do livro, perfil do filósofo em vermelho sobre fundo branco, cita a do livro de traduções de Maiakóvski pelos irmãos Campos e por Boris Schnaiderman: a tradução como ensaio de lá corresponde aqui ao ensaio como tradução. Ambas trazem um caráter interventivo nas questões prementes do tempo e a afirmação da arte, como tradução ou como ensaio.
A elevação do enjambement, a continuidade sintática de uma frase no verso seguinte, à imagem mais fundamental do poema, como faz Agamben, e sua releitura no contexto da crítica e da poesia brasileiras demonstram o lugar múltiplo do livro. Conversa com filósofos, críticos e poetas não por um caráter dispersivo, mas, ao contrário, por uma intensidade que só compreende o poético, o crítico e o filosófico reciprocamente.
Há diversas passagens que juntam a “beleza da escrita” e as argumentações conceituais, como a da explicação do enjambement através da paradinha do pênalti em um jogo de futebol. O momento de interrupção de um verso que anuncia a continuidade da frase é análogo à suspensão momentânea da corrida para o chute em gol.
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* Mestrando em poética na UFRJ.
Fonte: Jornal do Brasil online - 02/07/2010
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