sábado, 10 de julho de 2010

O cientista que mapeou o genoma humano

CRAIG VENTER
Entrevista/VEJA
O cientista que mapeou o genoma humano e chegou perto de sintetizar uma forma de vida em laboratório diz que prefere o papel de pai da evolução ao de Deus.

Qual é, então, o propósito de sua experiência?:
A principal finalidade é entender a essência básica da vida. Já descobrimos que a informação, o software, é o aspecto mais importante da vida, mas ainda há muito a desvendar. Mesmo com todos os avanços da genética, não sabemos todas as funções dos genes de uma célula, nem qual o conjunto de genes mínimo para produzir vida. Tudo isso é conceitualmente rico e pode mudar o futuro da humanidade em um longo prazo. Há também as aplicações práticas. O experimento com a bactéria nos forneceu uma nova ferramenta. Precisamos de outras para avançar cientificamente. Com a capacidade que adquirimos de manipular o genoma, podemos desenvolver formas de despoluir a água, criar organismos aptos a capturar CO2 e transformá-lo em combustível, novas vacinas, e o que mais a imaginação e o esforço científico permitirem.

Alguns cientistas ironizam suas experiências, dizendo que o senhor quer ter o mesmo papel de Deus. Como vê essas críticas?
Acho muito melhor o papel de Darwin (Charles Darwin, autor da teoria da evolução).

Alguma coisa contra Deus?
Não acredito em Deus, mas tenho fé em Darwin, que é a inspiração para todo o meu trabalho. Infelizmente, Darwin estava limitado ao que poder ver com os olhos. Hoje temos instrumentos para enxergar além. Em nossa viagem pelos mares, classificamos as espécies não pela aparência, mas pelos seus códigos genéticos exclusivos. Acho absurdas as críticas que certas pessoas fizeram quando anunciei a expedição, há sete anos. Diziam que não era ciência de verdade, pois não partíamos de uma hipótese. O fato é que estávamos fazendo indagações bem mais complexas do que muitos cientistas costumam fazer hoje em dia. É muito cômodo continuar fazendo o que você faz em vez de arriscar em um projeto diferente.

O geneticista Francis Collins, também responsável pelo mapeamento do genoma humano, é cristão fervoroso. É possível conciliar religião e ciência?
Não. É muito difícil ser um cientista de verdade e acreditar em Deus. Se um pesquisador supõe que algo ocorreu por intervenção divina, ele deixa de fazer a pergunta certa. Sem perguntas certas, sem questionamentos, não há ciência. O ser humano sempre tenta achar uma força misteriosa para explicar suas falhas, fraquezas e dúvidas. Mas a vida começa com o nascimento e termina com a morte. Se todas as pessoas aceitassem isso, aproveitariam mais sua vida, exigiriam mais de si mesmas e não desperdiçariam chances.

(...)

O que o senhor espera da genética e da biologia molecular para os próximos anos?
Teremos avanços enormes. Acredito que, em duas décadas e meia, viveremos um dos períodos mais fecundos da história da ciência, graças à genética. Costumo comparar a genética com a industria eletrônica na década 50. Naquela ocasião, surgiram os circuitos integrados, componentes fundamentais para o desenvolvimento dos computadores e iPhones. Obviamente, ninguém poderia prever o ritmo do desenvolvimento daqueles componentes e, portanto, nem sequer sonhar com todo o potencial de suas aplicações práticas atuais. Se os cientistas genéticos se deixarem guiar pela imaginação, em vinte anos teremos inaugurado um período de inovações revolucionárias.
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Reportagem de Gabriela Carelli
Fonte: REVISTA VEJA impressa - Edição 2173 nº 28 - 14 de julho de 2010 - Parte da Entrevista.

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